Saturday, December 29, 2007

In-Descrição

A típica mulher francesa
(Que se deita sobre a mesa,
E se rebola em can-cans)
É quente como o lume:
Arde por dentro e por fora,
E incendeia, na hora,
Mesmo a carcaça malsã!

Porque sabe que as causas são maiores
Do que ideais de livros moralistas,
A tudo o que é moral, ela é imune.
Tomou como costume,
E só por seus amores,
Tomar conta de si, a Idealista!

Pinta por isso as unhas e os cabelos
Como quem pinta telas de Lautrec:
«Antes de mais, um estilo impressionista!
Senão o for, alors, cherrie, forget! –,
Explica com grande entusiasmo –
«Os outros estilos, nem vê-los!
Gaston, os meus chinelos!
Je part en voyage
É uma senhora culta, já se vê,
Que despreza o pasmo e o marasmo,
Mas, estranhamente, aprecia a bricolage!
Ainda que com outras variantes…

Mas vá, o importante
É constatar como ela vê a vida
E as várias incursões no quotidiano:
Presumivelmente presumida,
Ela é na verdade uma bacante
(No sentido mais clássico do termo)
Que faz sagrado tudo o que é profano
Do ermo mais distante ao outro ermo!

E há beleza em ver que os seus olhos,
Que se refractem em folhos
De luzes siderais,
Mudam comummente e em casos tais
Que acompanham a razão do seu humor:
Reflectem a alegria e o azedume,
O frio e o calor!

E a côr que têm sempre é divinal:
Por vezes de avelã,
Por vezes côr de estrume,
Um tom constantemente excepcional!

Se acaso quer passar despercebida
(Por ser reservada e muito humilde)
Pinta os seus caracóis de permanente,
De um loiro oxigenado fluorescente,
De modo a que ele brilhe um pouco mais…
Zela, claro, para evitar os excessos –
Que são muito banais…

O Coiffeur é Jean-Marie Clotilde;
A toilette é feita na Crémilde;
E o tailleur é o Gigi, um inovador,
Um génio da Couture e do Progresso!
Nascer em França, está visto, é do melhor:
E nem importa se isso tem um preço…

Também é de espantar um seu capricho
(Muito inocente, e casto, por sinal)
Em (de acordo com um método importado)
Fazer do seu humilde lar um nicho
De festas de «carácter social».
Como o quarto de Hotel é alugado,
Ou a mansão paga por um noivo rico,
Madame encolhe os ombros: «Não tem mal!»

O facto é que ela é impressionante:
Enquanto nos artigos das revistas
Surgem boatos de ser materialista
E até um pouco libertina,
Ela mostra ser espiritual
E até conservadora em demasia!
Diz que é a sua sina!

Gosta pois de respeitar
(E quem diria?!)
Uma tradição de traços extravagantes
De, através de um particular exibicionismo,
(Que considera o bastante),
Se tornar na figura dominante:

«Dominar – afirma – é um preciosismo,
E o preciosismo quer-se praticante!»

Aprecia (à margem dos sofismas)
Observar com cuidado os vários prismas
Ditos «introspecções da vida»
De forma simples, coesa e resumida,
Para não abusar do seu papel
De intelectual assumida,
(De que é deveras fiel)
E que abraça com ternura especial.

Tem como tese principal o “Positivismo”
E um “à-vontade” fora do normal,
Com um lato sentido prático
(E isto é um eufemismo!)
Das coisas e dos modos.
O seu raciocínio, arguto, nunca é estático:
Viaja, e pensa os casos todos!

E ainda assim, pobrezinha,
(Talvez por (lá no fundo!) ser sozinha)
Chora por tudo:
Mesmo quando perde o gato! –
Mas esse Entrudo já faz um pouco parte
Daquela arte do sentimentalista:

Adora o teatro, o palco , o drama,
A maquilhagem fantasista!
Gosta muito de ser protagonista
(E o seu enfoque tem chama!)
De qualquer tema sócio-filosófico.
Como qualquer polemista organizado
Distribui as suas elações
(Nome que dá a difamações e intrigas)
Por secções, por dossiers, por siglas,
Por títulos, por quadros e por tópicos.

Tem muito tacto.
Disserta sobre sexo ao desbarato
E plena de sentido solidário
Aceita como aluno qualquer tolo…
É um(a) turista praticante e regular
Com inúmeras hipóteses no rolo!

Autodidacta, fala muito:
– Um pouco de tudo –
E este tudo (este muito!)
Note-se o brilhantismo!,
Está, do povinho, acima, muito furo!

Gosta de estudar em secretismo
O perfil da Concubina do Futuro…

Lisboa, 27/10/97

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