I
Sombra nos sonhos, sombra nas paredes,
Outros da alma, vultos pelo tecto,
Aranhas (que me agrilhoam redes),
Rosto no espelho, o meu, grotesco espectro…
II
Loja de fatos, corpos para a vida,
Meu guarda-roupa para a ocasião!,
Meu Carnaval de mim, o suicida,
Máscaras da minha variação!
III
Onde ponho os papéis e a tristeza,
Onde sufoco todos os protestos,
Onde escondo notas de vileza,
Onde me mudo e me renovo: o cesto.
IV
Lembrar o teu desdém é doloroso,
Nada posso dizer que o ilustre:
O teu mesquinho riso de ódio e gozo,
As minhas lágrimas sob a luz de um lustre.
V
Puseste o teu orgulho sobre a mesa,
E eu apostei meu coração, O Caos,
Que tu levaste, com a maior vileza,
Numa sequência alta de paus.
VI
Maçada esta luz vinda de fora!
O sangue que me corre pela aorta!
Poder negar a vida que demora
E pôr“Do not disturb” atrás da porta…
VII
Meu amor que eu amo suportar,
Quero-te sempre, mesmo sendo breve
O tempo que temos para amar!
Mas pelos Céus!, Torna-te mais leve!
VIII
Amarmo-nos ao ritmo das vagas,
Queimarmo-nos ao fim de tanto amar,
Mordermo-nos até só sermos chagas,
Fazermos da cama o nosso altar…
IX
Correr com os rios até morrer no mar,
Ouvir o Mundo Inteiro por um búzio,
Jazer na praia até ser do lugar;
Purificar os Homens num Dilúvio…
X
Jarro da Vida que me dás cuidados,
E que tão pouco vales dois patacos,
Ter-te nas mãos já me tem cansado…
Sonho que tenho de te ver em cacos!
Lausanne, 01/12/04
[1][1] Nota do Autor: Dez poemas nascidos de dez palavras perdidas: espectro, variação, cesto, etc. Tendo ficado com elas, pelo pecado da inveja, não direi, por pudor, quem as perdeu.