Thursday, August 16, 2007

No Gueto da Sensação (Soneto Blues):

(Onde Cada Corpo Se Trai a Si Mesmo)

Merda para o Soneto e as suas normas!
Remerda para o Ditador do verso!
Trimerda para as suas frases mornas
Tolhidas de sentido do Universo!

Fora letras feias de encomenda!
Fora régua e esquadro na[1] Emoção!
Fora Ilhéu da Escrita, de contenda
Da alma com o seu próprio coração!

Não há razão que valha ao sentimento!,
Nem regra existe que se imponha à Vida,
Mesmo se a Vida é um Formulário preto!

Jamais me apanharão (um só momento!)
Nessa armadilha suja da medida!
Que Deus me abata se isto é um Soneto!

Sapadores, 20/12/2007

[1] Nota do Autor: Versão Alternativa: Da.

Tuesday, August 14, 2007

A Queda do Anjo Negro

Adeus!, Adeus!, Jardins do trilho justo!
Da luz, da alma eterna e elevada,
Da calma, da paz mantida a custo,
Do êxtase, do gosto à carne rara!

Lugar preciso do fruto proíbido,
Pode ser visto, não pode ser tocado,
Tocado, não pode ser mordido,
Mordido, mas não saboreado…

Antes quero a perda a esse trilho,
Antes desejo a treva a esse brilho,
Antes a queda à alma su’jugada!

Melhor que a Paz, este eterno sono,
Melhor que a companhia, este abandono,
Melhor que o gozo, o já não sentir nada!

Lisboa, 14/02/00


Monday, August 13, 2007

Resignação

Amo o que me dás, seja o que fôr,
Seja isso a Morte, a Paz ou o Amor.

Amo o que me dás, mesmo se pouco;
Seja o ar, a sede ou o sufôco.

Sim, amo o que me dás, ‘inda se nada,
Oh, Vida!, de intenções empregnada!


Póvoa de Santo Adrião, 17/01/05


Sunday, August 12, 2007

Suspiro

Morte! Morte! Viagem!
Horror da Vida, imensa estagnação!
Ar puro! Ar novo! Aragem!
Que mito doloroso que é a acção!

Lausanne,14/11/04

Saturday, August 11, 2007

De Noite

Sangue nas têmporas pesadas;
Sangue nas paredes escuras da mansão;
Sangue nas mãos nervosas e apressadas,
Sangue no tapete, nas roupas, no chão.

Sangue na estátua de bronze à minha frente,
Sangue no punhal.

Sangue na mão que matou
E no corpo jacente,
Sangue que é meu, afinal…

Noite de tempestade,
Noite de inverno,
Noite Romântica (como chove lá fora!),
Noite de assombro…

Quando chegará a claridade?
Quando o fim de tudo, o Incrível Termo?
Quando a minha hora?
Quando alguém que eu ame a deixar-me o seu ombro?

Noite de lobos que uivam de fome,
Noite de crianças que choram com medo,
Noite de animais ferozes,
Noite de arrepios,
Noite de incerteza,
Noite que dormes comigo e comes comigo à mesa!

Estou tão cansado!
Estou tão cansado!
Há tanto ódio em mim,
Tanta raiva em mim,
Tanto horror em mim!,
Que falta que o amor me faz!!

Onde o abrigo que a Fé me prometeu?
Onde o porto onde o mar tem fim?
Onde o meu Deus?
Onde a Paz?

Lausanne, 27/11/04

Friday, August 10, 2007

Expiração

Lanço o último suspiro:
Desanimei de tudo.
Para mim acabou a conversa:
Estou mudo
E procuro um retiro:
Quero um quarto escuro e sem ruído
Onde ao ouvido
Não chegue mais que a promessa
Que ainda espero vir a ser cumprida:
Para o corpo, uma festa;
Para a alma, uma vida…

Lisboa, 31/03/01

Numa Cadeira

Sentado,
Sem compromissos –
Um simples repouso pontual
Marcando uma pausa no desgosto.



Confesso: É normal.
Mas não peço desculpas: É o meu luxo;
O meu pequeno vício.
Já regresso ao tédio que me foi imposto…

Lisboa, 12/03/98

Na Hora da Partida da Barca dos Pescadores

De novo o mesmo cheiro, bálsamo de espera,
De novo o mesmo gosto a soluços tristes,
De novo o mesmo sopro, o mesmo ar.

De novo a mesma barca, a tal quimera,
De novo o mesmo mastro de alambique,
De novo a flutuar no mesmo mar…

Lisboa, 19/07/97

Numa Bebedeira

Porque são falsos os Homens!
Digo-lho eu, amigo, que os conheço:
Comem, comem, comem
Tudo quanto querem –
E depois partem, com corações de gesso…

Ferem tudo, amigo, sei que ferem!
Digo-lho eu, certinho, que sei tudo:
Pedem, pedem, pedem,
E se ninguém há, que os satisfaz,
Queimam casas e sonhos, e o pasto miúdo…

Não têm alma – Que a alma só tem paz.
Digo-lho eu, colega, que fui frade:
E eles catrapás, catrapás, catrapás!,
Golpeiam sempre, sempre dão estocadas
No peito da própria Liberdade!

Deliram!, são almas penadas!
Digo-lho eu que venho sempre ao tinto!:[1]
E «Alvoradas, alvoradas, alvoradas!
Brilhai em mim durante a noite inteira!»
Em vão o rogo pois só as trevas sinto…

Mas segue a vida, de qualquer maneira;
Um gesto meu é vão e indistinto:
«Alvoradas, alvoradas, alvoradas!»…
Gritá-lo mais? Não: Mais me ressinto.

E ao amigo também doi esse limbo
Que parecemos ter à cabeceira?
Perfeito! Basta! Nem pense em mais nada!:
Junte-se a mim, nesta bebedeira! –

Uma garrafa de vinho e a vida parada,
Uma garrafa de vinho e a vida parada…

O coração bate: Não, minto.
O coração bate: Não, minto.
É alguém à entrada.

Frape! Frape! Irra, o meu achaque!
Vá-se!, que ninguém está em casa!
Volte mais tarde,
Volte à terça-feira –
Talvez já tenha tido um aneurisma…
Vamos, coração bate!
Vamos, coração arde!
Upa! Upa! Baque! Baque!

Mas ele soluça e cisma,
Mas ele soluça e cisma…

(E a alma ainda gemendo baixinho:
«Alvoradas! Alvoradas! Alvoradas!»
E o peito ainda em busca de um ninho:
«Alvoradas! Alvoradas! Alvoradas!»
Mas nada lhe chega: Só um vento maninho:
E a noite que cai negra e pesada,
E a noite q
u
e c
a
i
negra
e pesada…).

Lisboa, 02/04/01

[1] Nota do Orador (em parentises): In vino veritas.

No Poema

Corredor de vento das palavras,
Sonoro anti-estático de acento,
Aventura de cíclicas metáforas
Na cínica vogal do sofrimento.

Anel de místicas siglas onduladas
Dos canais de voz do emissor,
Sílabas de dor dissimulada,
Temporal de vírgulas e pontos.

Âncora de letras desgastadas,
Mar de esdrúxulas a abrir as madrugadas,
Onda de rítmicos verbos de-poentes,

É esta fúria louca de escrever,
Esta ilógica força de viver,
Esta vontade hercúlea de beber-te!

Lisboa, 15/05/98

Teorema Protestarial I

Mudar de roupa?
Ora!
Dizes que a reunião vai começar em breve?
Estou farto de reuniões, de ajuntamentos:
Hoje não quero reunir com ninguém.
Vai haver festa, ãh?
E bebidas, e aperitivos… sim senhor; folgo muito em saber.
E os aperitivos são aquelas doses de comida servida em pequenas quantidades,
Que se rodam pela mesa como se de uma prova se tratasse, não é?
Tivesse tido disso antes de vir para a vida
E teria sabido evitá-la.
Agora é tarde.
Porque não falaste nisso mais cedo?
Mas já nos conhecemos há muito, não é?
Já sabemos os dois como gostamos de apanhar o outro
Distraído das coisas,
Com o corpo adormecido,
Com a razão amarrada atrás das costas…
Não.
Não vou mudar de roupa.
Com muito esforço,
Se me quiserem tanto, vou mesmo assim como estou;
Senão vão todos para o Diabo!
Desperdicem-se inteiramente ou deixem-me desperdiçar-me
Sem ter quem me aborreça:
Ajuda me dão
Se me tirarem esta dor de cabeça
Que aumenta só de saber
Que tenho de ter por horas o corpo entalado num fato preto
A dar apertos de mão a pessoas vazias,
De mãos frias,
Com a vida parada,
Com o interesse gasto.
Não gosto de apertos de mão.
Nada se modifica no Mundo por apertar a minha mão a alguém –
E de que serve um gesto
Se não causar alterações no Universo?
Já sabes.
Não teimes mais comigo.
Não visto nenhum fato.
Vem mas é ajudar-me a tirar estas roupas:
Tira-me tudo o que estiver a mais no que sou.
E não me sinto ser –
Haverá possibilidade de me despires de mim próprio?
Não peço para ser o outro porque o outro também quer ser Eu.
E desejar-me a mim mesmo seria absurdo e absolutamente antagónico.
E bem sabes que não gosto de antagonismos.
Mas chega-te cá.
Traz-me esse licor.
E enche bem o copo, até acima;
E vem cá – vem dar-me o copo à boca:
Quando chegar ao fim
Por certo findou a dor –
Se pudesse também findar a vida!

Ah! Mudar de roupa??!…

Lisboa, 18/02/01

Estado do Tempo

I

Chovem flores e setas baralhadas
Lançadas por cupidos delirantes
Que vão abrindo e vão fechando as asas
Em grandes tragos sôfregos de brandy.

Chovem ideias bruscas e espaçadas
Por entre os intervalos estonteantes
Do silêncio das pedras da calçada,
Do longo frio das noites inconstantes.

Chovem gatos pretos pelos cantos,
Do cimo dos telhados estilhaçados,
Pelas pedras letárgicas do espanto.

Chove-me um acre néctar de amargura
Dos meus dois olhos negros alagados
Pela borrasca agreste da Loucura…

Lisboa, 12/10/97

II

Sou Prisioneiro de Horas que Contemplo
Pelas grades desta triste cela
Onde me encerraram (quem me vela?)
Sem um motivo, sem um Julgamento.

Sou vítima de usar o Pensamento
Para entender o Rei que me esfarela,
Que me desfaz qual cera de uma vela,
Impondo-me o seu Reino Pardacento.

Sou servo do Regime que me gela,
Sombra de mim cedendo ao Desalento,
Mastro agrilhoado por cem velas…

Sou escravo consciente do Tormento
Imposto pelos Astros, pelas Estrelas,
Pelo Estado Déspota do Tempo.

Lausanne, 02/12/04


Contra – Argumentação

O amor é o amor – e depois?
Vamos ficar os dois
A imaginar,
A pairar,
Sobre um vácuo indefinido,
No incerto de algo
Que não existe,
A poisar os olhos um no outro,
Sem nos mexermos,
Sem sonharmos,
Sem nos tocarmos,
Sem nos comermos
Com os olhos
E com o corpo,
Como loucos
Canibais esfomeados?

O amor é o amor – e depois?!
Vamos ficar aqui,
Quedos,
Mudos,
A tentar defini-lo,
Em vez de o usarmos,
De o descobrirmos,
Neste Mundo de Sonhos
Que podemos tornar
Só nosso?

O amor é o amor – e depois?!!
Esquece.
Esquece tudo.
Vive o sonho comigo.
Vamos encher o ar
Que nos rodeia,
Vamos torná-lo
nOSSO e só nOSSO,
De mais ninguém. –

O meu peito contra o teu:
Vamos ver quem vence numa guerra de almofadas.
Vamos! Continua! Não importa se as roupas estão rasgadas!
O meu peito contra o teu:
Cortando o ar,
Bebendo o mar
Que enchemos,
Que roubámos ao espaço.

Temos isto que temos.
Temo-nos aos dois,
Temos um leito
Grande,
Enorme;
Temos este laço,
Que nos pode prender e amarrar.
Por quanto tempo?
E que importa sabê-lo?
Estarmos juntos enquanto estamos juntos
É bastante.
Forçar o amor é torná-lo disforme.
Tê-lo
É vivê-lo
Sem o pressionar.

E por ora
Somos tudo,
Sem medo:
E há todo o espaço para amar!

Temos o espírito que temos.
Temos o objectivo que é nosso
E só nosso,
Como tudo o que era nosso anteriormente…

Somos todos,
Somos vários,
Somos um grupo de gente;
E somos um,
Dois,
Somos mais do que dois…(e)…

O amor é o amor – e depois?

Lisboa, 15/04/96[1]


[1] Nota do Autor: De um poema de Alexandre O’Neill.


Tuesday, August 7, 2007

A Confissão de Adão

Mulher que vens de mim, diz-me o que vês;
Vem debruçar-te neste fundo abismo;
Que pensas tu de Deus? E das marés?
O que descobres no meu Mundo em sismo?

Põe teus olhos em mim, imenso escombro,
Um vagabundo, um louco, um libertino,
Com o desgosto pendurado ao ombro
E a Alma errante em luta com o Destino…

Perscruta bem, mulher, o lamaçal
De ânsias no meu peito. Entristeço
Um pouco em cada dia. Ah!, ser mortal! –

Vem o frio do Inverno e eu padeço,
Sucumbo com o vir do vendaval,
Por ter nascido Humano, pago o preço…

Lisboa, 22/03/94

Monday, August 6, 2007

Eco


Her name is Echo; she always answers back .

In Ovid, Metamorphoses III.

Poor Echo. Like a computer, she could only repeat what she'd been told. Perhaps her doomed love affair with Narcissus is the ultimate metaphor for the relationship between Man and Machine.

In Estudo Anónimo.

I

Abre as mãos.
Toma estes frutos:
Saíram-me de dentro,
Da terra que sustento,
Com o meu suor em bruto.

Abre os braços;
Acolhe-me em teu peito.
Talvez nesse repouso
Eu ganhe eterno gozo
Ou um consolo insuspeito.

Abre o coração.
Deixa-me entrar.
Faz tanto frio, cá fora, onde me encontro!
É tão ruim este silêncio pronto!
Houvesse aí alguém p’ra conversar!

Mas ninguém passa,
Aqui,
A esta hora.

Não há
Viv’alma
Neste troço:

Eu grito: «Ter-te comigo,
Eu queria ter-te comigo…»…
E é o vento que eu ouço…

Lisboa, 04/02/01

II

Trouxe-me alguém as palavras
Que te mandei por correio.
Em vão escrevi a carta.

No chão do que sou, lavra
O Mundo o seu veio:
Essa terra, hoje seca, antes foi farta…
Lisboa, 04/02/01

Bilhete de Ida e Volta - (Mais Anexo)

I - Ida

És parte de mim.
Por isso doi-me ver-te aí deitado.
A outra parte que me sobra está suspensa.
Balouçando com o vento frio da noite.

II - Volta

É por de mais este fim.
E qual será de nós dois o enforcado?
Tu que te agitas nessa corda tensa,
Ou eu que jazo aqui esperando a foice?

III – Nota dos Correios

Sujeito A dado como morto,
Escreveu a B já desaparecido
(Que respondeu quase de seguida),
Em circunstâncias muito inexplicáveis:

Têm o mesmo endereço (são do Porto)
O mesmo nome próprio e apelido,
(Diria mesmo, quase, a mesma vida)
E os mesmos caractéres finos e frágeis;

Ficou o nosso carteiro baralhado
Perante tamanha incongruência –
Pelo que, segundo é já usado,

E agindo com plena consciência,
Não fez o intercâmbio desejado
E devolveu o correio à precedência…

Lisboa, 20/02/01

Sunday, August 5, 2007

Ela Canta, Pobre Ceifeira!

Estar à janela olhando o Infinito.
Sentir a vida por fotografias.
Ouvir pianos na alma, (que bonito!),
Pensar em dias diferentes destes dias…

Ver o Mundo todo de um castelo de areia;
Encher a paisagem de recordações…

Quando estiver essa maré mais cheia
Talvez embarque, p’r’a lá das sensações…

Ter sido puro!
Ter sido inteiramente!
Ter sido sem receio do futuro!
Felicidade!
Oh!, ceifeira inconsciente!
Guia os meus passos!
Segura no meu braço!
Ensina-me tudo!

Crianças do meu passado
Com sonhos à ilharga,
Caminhai ao meu lado
Nas horas amargas!

Ensinai-me o truque,
A forma sagrada,
De sem ter destino
Saltar para a estrada,
Em busca do nada!

No céu o silêncio.
Em mim o desgosto.
Núvens várias condensam-se
Pouco a pouco.

Esqueçam-se
As coisas mundanas.
Esqueçam-se os sonhos terrestres.
Esqueça-se a vida do corpo –

Ascendamos.
Apago as coisas profanas,
Escolho este idílio campestre
E nele fico absorto
Até ao fim do programa,
Até ao grande apogeu.

Já nada sinto e de cama,
Ouço uma chuva a cair.
Que mais existe?
Há a mente que desvanece
E o tédio que subssiste
À vida na vida inteira.

(Não sendo é e persiste,
Não sendo é e chateia…)

Sou racional.
Nego tudo o que carece de prova.
E cantar e sentir são um sinal
De fuga à vida pesarosa.

Ou por Milagre estás alheia a ela?
Ou por Ventura esqueces o seu peso?
Se acaso o corpo dorme, a alma vela –
Estou sempre acordado, sei-me sempre preso!

Ah! Mas é vão o teu cantar na lida jornaleira?[1]
Às vezes queria esse inconsciente bréu
Que te deixa sem mal
Dizer que riste.

E eu nunca ri.
Nunca olhei o céu.

Oooooooohh!, gloriosa ceifeira! –

Fui então eu,
afinal,
O grande triste!

12/07/94 – 09/01/01

[1] Nota do Autor: A palavra Jornaleira foi empregue num sentido que penso estar mais próximo do etimológico. Entenda-se portanto: diária.

Saturday, August 4, 2007

Hino Triunfal dos Servidores dos Dias

O que dizemos
Ninguém dirá.
Como o fazemos
Ninguém fará.
Palavras, gestos,
Sonhos e gritos,
São os cartazes
Do Manifesto,
As bocas molhadas
No fim dos apitos.
É tudo fúria
De sermos vivos,
É tudo coro
De um só protesto;
Não somos Homens,
Somos Meninos,
Desintegrados
Num livro aberto.
Somos os deuses
De cada Igreja,
Os pontos negros
De cada verso,
Somos os corpos
Em que o amor sobeja,
Somos partículas
Indefinidas
Do Universo!

Lisboa, 06/02/97[1]

[1] De um poema de Carlos Queirós/oz.

Friday, August 3, 2007

Resistência



Il appelait le Diable et lui demandait la mort.
C’était une façon de la surmonter.
[1]



Desisti de falar do Tempo.
Desisti de falar do Túmulo.
Deisisti de falar.
Desisti.
Desisti de amar os Homens.
Desisti de amar o Mundo.
Desisti de (te) amar.
Desisti.
Desisti de chorar os doentes.
Desisti de chorar os defuntos.
Desisti de chorar.
Desisti.
Desisti de sonhar com a vida.
Desisti de sonhar na vida.
Desisti de sonhar.
Desisti.
Desisti de pensar no Passado.
Desisti de pensar no meu estado.
Desisti de pensar.
Desisti.
Desisti de não desistir,
Deisisti de ser como sou,
Desisti de estar aqui,
Desisti do ar como o vês e o recebo,
Desisti do Céu, de Deus e do Inferno,
Desisti de fingir que sou de ferro,
Desisti de negar que sou um erro,
Desisti de ser contra os que desistem,
Desisti de ser pelos que resistem,
Desisti de ser assim,
Desisti de ser,
Desisti.

Lisboa, 17/09/96
[1] Camus, Le Mythe de Sisyphe, p.123.

Thursday, August 2, 2007

Ad Excelsis

Não seria estranho se Tudo fosse Nada sem qualquer conceito?
E tão maravilhoso ao mesmo tempo?
Que é feito
Dessa Terra Prometida
Em que dia a dia
Me sustento?
És tão controverso e tão perfeito,
Tão concretamente inexistente!!!

Lisboa, 09/08/97

Wednesday, August 1, 2007

Cacos

I

Sombra nos sonhos, sombra nas paredes,
Outros da alma, vultos pelo tecto,
Aranhas (que me agrilhoam redes),
Rosto no espelho, o meu, grotesco espectro…

II

Loja de fatos, corpos para a vida,
Meu guarda-roupa para a ocasião!,
Meu Carnaval de mim, o suicida,
Máscaras da minha variação!

III

Onde ponho os papéis e a tristeza,
Onde sufoco todos os protestos,
Onde escondo notas de vileza,
Onde me mudo e me renovo: o cesto.

IV

Lembrar o teu desdém é doloroso,
Nada posso dizer que o ilustre:
O teu mesquinho riso de ódio e gozo,
As minhas lágrimas sob a luz de um lustre.

V

Puseste o teu orgulho sobre a mesa,
E eu apostei meu coração, O Caos,
Que tu levaste, com a maior vileza,
Numa sequência alta de paus.

VI

Maçada esta luz vinda de fora!
O sangue que me corre pela aorta!
Poder negar a vida que demora
E pôr“Do not disturb” atrás da porta…

VII

Meu amor que eu amo suportar,
Quero-te sempre, mesmo sendo breve
O tempo que temos para amar!
Mas pelos Céus!, Torna-te mais leve!

VIII

Amarmo-nos ao ritmo das vagas,
Queimarmo-nos ao fim de tanto amar,
Mordermo-nos até só sermos chagas,
Fazermos da cama o nosso altar…

IX

Correr com os rios até morrer no mar,
Ouvir o Mundo Inteiro por um búzio,
Jazer na praia até ser do lugar;
Purificar os Homens num Dilúvio…

X

Jarro da Vida que me dás cuidados,
E que tão pouco vales dois patacos,
Ter-te nas mãos já me tem cansado…
Sonho que tenho de te ver em cacos!

Lausanne, 01/12/04[1]
[1] Nota do Autor: Dez poemas nascidos de dez palavras perdidas: espectro, variação, cesto, etc. Tendo ficado com elas, pelo pecado da inveja, não direi, por pudor, quem as perdeu.