Saturday, December 29, 2007

Última Missiva

És vil, és reles, como toda a gente,
Não tens amor p’ra dar, mas quem o tem?
É só o Egoísmo, esse Insolente,
Quem manda nos afectos por[1] alguém.

Gostas por gostar como quem gosta
De fumar charutos de manhã;
Sentir é para ti como uma aposta,
E o coração, um rústico tantã!

Buscas o prémio – todos queremos prémios;
Buscas um ganho material e ôco;
Buscas, não o negues, o prazer.

É toda a gente avara pelos grémios.
Tudo o que tens, enquanto o tens, é pouco;
Vale todo mal, menos perder…

Saldanha, 05/12/07

[1] Nota do Autor: Versão Alternativa: De

In-Descrição

A típica mulher francesa
(Que se deita sobre a mesa,
E se rebola em can-cans)
É quente como o lume:
Arde por dentro e por fora,
E incendeia, na hora,
Mesmo a carcaça malsã!

Porque sabe que as causas são maiores
Do que ideais de livros moralistas,
A tudo o que é moral, ela é imune.
Tomou como costume,
E só por seus amores,
Tomar conta de si, a Idealista!

Pinta por isso as unhas e os cabelos
Como quem pinta telas de Lautrec:
«Antes de mais, um estilo impressionista!
Senão o for, alors, cherrie, forget! –,
Explica com grande entusiasmo –
«Os outros estilos, nem vê-los!
Gaston, os meus chinelos!
Je part en voyage
É uma senhora culta, já se vê,
Que despreza o pasmo e o marasmo,
Mas, estranhamente, aprecia a bricolage!
Ainda que com outras variantes…

Mas vá, o importante
É constatar como ela vê a vida
E as várias incursões no quotidiano:
Presumivelmente presumida,
Ela é na verdade uma bacante
(No sentido mais clássico do termo)
Que faz sagrado tudo o que é profano
Do ermo mais distante ao outro ermo!

E há beleza em ver que os seus olhos,
Que se refractem em folhos
De luzes siderais,
Mudam comummente e em casos tais
Que acompanham a razão do seu humor:
Reflectem a alegria e o azedume,
O frio e o calor!

E a côr que têm sempre é divinal:
Por vezes de avelã,
Por vezes côr de estrume,
Um tom constantemente excepcional!

Se acaso quer passar despercebida
(Por ser reservada e muito humilde)
Pinta os seus caracóis de permanente,
De um loiro oxigenado fluorescente,
De modo a que ele brilhe um pouco mais…
Zela, claro, para evitar os excessos –
Que são muito banais…

O Coiffeur é Jean-Marie Clotilde;
A toilette é feita na Crémilde;
E o tailleur é o Gigi, um inovador,
Um génio da Couture e do Progresso!
Nascer em França, está visto, é do melhor:
E nem importa se isso tem um preço…

Também é de espantar um seu capricho
(Muito inocente, e casto, por sinal)
Em (de acordo com um método importado)
Fazer do seu humilde lar um nicho
De festas de «carácter social».
Como o quarto de Hotel é alugado,
Ou a mansão paga por um noivo rico,
Madame encolhe os ombros: «Não tem mal!»

O facto é que ela é impressionante:
Enquanto nos artigos das revistas
Surgem boatos de ser materialista
E até um pouco libertina,
Ela mostra ser espiritual
E até conservadora em demasia!
Diz que é a sua sina!

Gosta pois de respeitar
(E quem diria?!)
Uma tradição de traços extravagantes
De, através de um particular exibicionismo,
(Que considera o bastante),
Se tornar na figura dominante:

«Dominar – afirma – é um preciosismo,
E o preciosismo quer-se praticante!»

Aprecia (à margem dos sofismas)
Observar com cuidado os vários prismas
Ditos «introspecções da vida»
De forma simples, coesa e resumida,
Para não abusar do seu papel
De intelectual assumida,
(De que é deveras fiel)
E que abraça com ternura especial.

Tem como tese principal o “Positivismo”
E um “à-vontade” fora do normal,
Com um lato sentido prático
(E isto é um eufemismo!)
Das coisas e dos modos.
O seu raciocínio, arguto, nunca é estático:
Viaja, e pensa os casos todos!

E ainda assim, pobrezinha,
(Talvez por (lá no fundo!) ser sozinha)
Chora por tudo:
Mesmo quando perde o gato! –
Mas esse Entrudo já faz um pouco parte
Daquela arte do sentimentalista:

Adora o teatro, o palco , o drama,
A maquilhagem fantasista!
Gosta muito de ser protagonista
(E o seu enfoque tem chama!)
De qualquer tema sócio-filosófico.
Como qualquer polemista organizado
Distribui as suas elações
(Nome que dá a difamações e intrigas)
Por secções, por dossiers, por siglas,
Por títulos, por quadros e por tópicos.

Tem muito tacto.
Disserta sobre sexo ao desbarato
E plena de sentido solidário
Aceita como aluno qualquer tolo…
É um(a) turista praticante e regular
Com inúmeras hipóteses no rolo!

Autodidacta, fala muito:
– Um pouco de tudo –
E este tudo (este muito!)
Note-se o brilhantismo!,
Está, do povinho, acima, muito furo!

Gosta de estudar em secretismo
O perfil da Concubina do Futuro…

Lisboa, 27/10/97

Say Farwell, Don’t say Goodbye

Adeus grandes amigos mais ou menos!
Adeus, ò familiares mais que esquecidos!
Vou viajar, partir, subir os Renos
E os Tibres e os Senas dos sentidos!

Além do material vão e tangível,
Além das frustrações do quotidiano,
Disse-me um sonho, habita essa irascível
Rainha do Sagrado e do Profano.

El’ há-de devolver-me a luz ao dia,
Amar-me como as Dríades de Ovídio,
Soldar a minha alma tão vazia!

Vou viajar porque isto é um presídio;
Porque hoje decidi que me evadia;
Estava a pensar, talvez, num suicídio…

Lisboa, 25/09/06

Ansiedade

I

Estou certo, amor, de ser como uma planta
Que o Tempo, esse Vilão, murcha e fenece.
É manhã. Chove; e o sol mal se levanta…
A chuva molha a alma que se espanta,
O vento assola o corpo que adoece…

Estou constipado em mim. Dói-me a garganta
Grandezas que sonhei, vi-as secar…
Eu quero a hora exacta, a hora santa,
A Ilusão da Vida, eterna manta
Que cobre o coração, ao dormitar…

Eu quero e espero ainda poder ter
Mais do que estas vontades sem matéria,
Mais do que estes desejos por haver,
E ideias por cumprir e por fazer
E planos de evasão desta Miséria!

Mas porque espero amor p’lo amor que espero,
Se tudo passa ao largo e não em mim?
Murchei. Está visto. O mais é o desespero
Normal em tudo aquilo quanto quero,
Tão próprio desse limbo de onde vim…

E tudo isto porque te ansiei.
Porque uma noite má sonhei contigo.
O que tu és surgiu-me e eu estagnei.
Posso abraçar-te a vida inteira, à Lei,
Dizer-te o que então disse, não te digo.

Mas digo-te isto, agora, se quiseres,
Como nunca, jamais, eu disse a alguém:
És toda a minha força, e os meus seres,
Todo o desejo que há no ter prazeres,
Toda esta Fé qu’ este meu crer contém.

E sei que se algum dia me deixares
Eu vou ficar mais sêco que um Outono,
Como um vadio perdido em mil lugares,
Correndo, grosso e vil, os lupanares,
Chorando em qualquer esquina o abandono!

E sei também, e tem isto seguro,
Que nesse dia que eu pressinto perto,
O mundo inteiro há-de ficar escuro,
A Morte há-de cobrir o meu Futuro,
E tudo há-de murchar com o desacerto!

Sim, tudo, tudo, tudo, é garantido!
Desde a mais breve flor de uma manhã,
Ao caule mais pequeno e mais escondido,
Ou ao tronco mais sólido e crescido
Que há-de tombar como uma folha vã!

E do silêncio tumular das ruas
Há-de brotar um grande cemitério;
E as gentes, enlutadas, brutas, nuas,
Hão-de sair das casas sob as luas
Fadadas pelos astros do Mistério!

E então, descendo as longas Avenidas,
Da Bonomia à Grande Perdição,
Há-de seguir a trupe das carpidas
Hienas velhas, tristes, condoídas,
Por ir a enterrar meu coração…

Morreu porque ansiou a tua vida
Junto co’a minha, num’eterna união…
Que utopia estranha e presumida!
Que grande estupidez irreflectida!
Que triste e singular alienação!

II

Sou planta de mim, em Babilónias
De almas mil que tive e que esqueci
Em sonhos de outros sonhos de sonhar.

Fui Rei do que vivi em cerimónias
Que inventei depois que me fingi
Um Rei com Roque e Reino onde Reinar.

Não tive jardineiro nem monções,
A vida fustigou-me em mil feitios,
Mil vezes vi as pétalas tombar.

Mas fui Senhor das minhas sensações,
Tive mais força em mim do que há nos rios,
Ri-me do Fim onde outro há-de chorar!

Num dia que há-de vir, no fim de tudo,
Um cavaleiro negro de capuz
Há-de agitar o braço, há-de ceifar.

E eu hei-de contemplá-lo inerte e mudo,
Eu hei-de ver o sol perder a luz
Eu hei-de ver os lagos a secar…

E hei-de então buscar os seus motivos
Pensar em mil razões p’r’ó sucedido,
Culpar a Sorte, a Vida, a Divindade;

Hei-d’ olvidar, dos Homens, serem esquivos,
Como fui eu a mão desse bandido
Que tomou forma na minh’ ansiedade…

III

Muito cedo na hora,
Muito vento.
Mas não é tão feio lá por fora
O Inverno que se faz sentir por dentro.

Uma ausência de gente;
Um certo muro.
O que sou desesperadamente
Busca um porto que seja mais seguro.

Ou uma mão,
Uma companhia…
Mas não há Sol que brilhe no serão,
Nem esta noite afasta, a luz do dia.

Sombra; reflexo de algum corpo.
Mas nada que possua nitidez.
Sou eu, és tu, é o outro e o outro;
E o outro, mais, por sua vez.

Tarde.
O sonho arde.
Continuo sem ter-te ou ter-me a mim
E tudo o mais em plena Solidão…

Que somos?
Que fazemos, nós, aqui? –
Adões e Evas do Eterno Jardim
À espera de cumprir a Maldição!

IV

Temos sonhos como toda a gente.
Mas nós sonhamos só pela metade.
Todo o espírito que é nosso é incoerente
E é o medo, sempre, que o invade.

E quem virá aqui pegar-me a mão?
Quem me afagará, estará por perto?
Tu não; ele não; vós não; eles não –
Muito menos aquele Deus incerto…

V

A Noite chegou só para mim...
Só para mim é tudo tão deserto...

VI

Aos outros,
Por serem outros,
A dor nunca lhes pesa.

Para os outros,
Pois são outros,
Nunca há Fim.

VII

Só para mim é tudo tão deserto...
A Noite chegou só para mim...

VIII

Os outros comem fartos uma carcaça obesa,
Os outros passam vidas de festim em festim.

Os outros…
Aos outros…
Para os outros…

Aos outros nunca pesa…
Porque me pesa a mim?

IX

Aos outros nunca pesa…
E se pesasse?
E se de súbito o vento lhes mudasse
E lhes soprasse a Dor por um clarim?

Viria, a raiva?
Iriam revoltar-se?
Degolariam o homem que passasse?
Arrasariam vilas num motim?

Não…
Talvez não tanto…

Talvez gritassem só, dessa aflição,
Ou apenas mendigassem um conforto…
Ou um consolo; um beijo; um fofo manto?
Ou uma nova pele para este corpo?

X

Mas para o Mal que enche a escuridão,
Que porta hão-de selar?
E a ferida que me arde o coração,
Como hão-de a suturar?

XI

À noite, ao longe, as flautas dos pastores
Parecem vir tocar na minha alma…
Escutai! “Ouvem-se já os rumores”
Que trarão paz e calma!

Festa! Banquetes e tambores!
E nós gozando a falsa liberdade
E a doce ilusão das iguarias…
A mesa está cheia, exultai amores!

E com a gula típica de um frade
Cuidamos de comer com alegria…
A mesa está cheia, exultai amores!
É a doce ilusão das iguarias…

XII

Mas terminado o pasto glorioso,
Quando entornado o sumo das garrafas,
Vemos com espanto que a mesa está vazia:

Nunca existiu o vinho saboroso,
Nunca tomámos as taças:
(Nunca tomámos os dias…)

E não nos resta mais do que a agonia
De ter provado um fruto inexistente…

Sensação tão fria
E permanente!

XIII

– Que terrível trapaça!
Estar sujeito à força de um Destino!
Ter a alma à deriva!

– Arrastar a carcaça
Sem noções e sem tino…
Viver d’ alma cativa…

– Odeio a vida que passa.
Tudo o que há, abomino…
Detesto tudo o que viva…

XIV

Vou mandar uma missiva
Aos Senhores do Universo
Com o seguinte documento
Registado em frente e verso:

«Ò Deuses do Céu Cinzento,
Ò Deuses mais que perversos,
Sou Filho do Sofrimento,
Bastardo de um Ser Disperso,
Minha mãe era um excremento,
Em nada do cão diverso,
Eu rastejo pardacento,
Só com as pedras converso;
E só a elas confesso,
Este meu estar desatento,
Desmembrado como um terço,
Trancado no Sentimento,
Já me cansei dos grilhões,
Da pena, do calabouço:
Atirai-me às multidões,
Ou para o fundo de um poço,
Que me façam arranhões,
Se me atirem ao pescoço,
Que me dêem com bastões,
Chicotes de cabo grosso,
Que me roam alazões
Até ao branco do osso,
Que me apaguem das razões
As sensações com que ouço
As minhas acusações
De não ser tudo que posso,
E as minhas frustrações,
As mágoas em que me roço,
E estas vãs pulsações,
E este inútil Pai Nosso,
E estas aspirações,
E este ver que sufoco,
E estas inspirações,
Ai este ver que sufoco!,
E estas expirações,
Ai este ver que sufoco!,
E estas respirações,
Ai este ver que sufoco!,
E estas transpirações,
Oh, asma de ser um fraco!,
Custa-me ter dois pulmões
Mas não ter fol’go de facto…

XV

Anseio por um Homem mais exacto…

XVI

Hora da Hora inconstante.
Que vedas o meu sossego,
Vai p’ra longe! Vai, distante,
Imolar outro borrego!

XVII

Porque hoje, que é o dia em que me nego…

XVIII

O corpo dorme e a razão está parada;
O corpo dorme e a razão… estendida!;
O corpo dorme e a razão é nada;
O corpo dorme. E o que faz a Vida?!

(…)

O relógio suspende o seu batente.
O relógio suspende o coração.
O coração suspende, descontente,
O relógio que marca a pulsação…

(…)

Pulsa, pulsa, pulsa ò sofrimento!
Pula, pula, pula, exaltação!
Ulular!, gritar! Sê barulhento!
Pulular, urrar, aclamação!

(…)

Eu que fui nada, e nada, e sou demente,
Tenho o globo aqui nas minhas mãos…

Simples nada
Alucinação.

XIX

Mas um sonho ainda a balançar!

(E uma ânsia!)

Um furacão, talvez, que se avizinha?
Uma impressão fugaz que antes não tinha?
Uma certeza insana de te amar?
Uma fome voraz de afirmação?

(Que ânsia!
Que ânsia que eu não tinha!)

Pudera então ao menos calcular
Essa medida exacta da distância
Que há entre mim e a minha…

…Perdição!

Um dia a minha dor será Rainha
Deste meu corpo em putrefacção…
Um dia a minha dor…

…Que solidão!

XX

E além da dor eu tenho uma impotência…
Uma abissal ausência de vontade…
E esta raiva, magma de vulcões!

Porque razão? Porquê, ò inclemência?
Porquê tamanha sina, ò Potestades?!
Porque me dais tamanhas provações?


XXI

Poder provar enfim a Divindade
Para saber que é como as povoações!:
Banal e reles, a vulgaridade –
Sem nada que a distinga dos milhões…

XXII

Mas nada posso além dest’ansiedade:
Ajo em receio, por hesitações;
Sou um cobarde, como a Humanidade.

Só sou sincero por simulações…

XXIII

Tudo em mim é incoerência,
Como a materialidade,
Sou absurdo sem razões!

De ter de ter Consciência,
Toda a tontura me invade;
Tremo em longas convulsões!

Vivo sem ter consistência,
Sem ter verticalidade,
Penso por abstracções!

Gasto-me em subserviência,
Sirvo com assiduidade
Dandys, Damas, Cavalões!

Dá-me náuseas a «Excelência»,
Toda a Regularidade,
Dever as contribuições!

Não posso mais, Paciência!
Não quero mais, Sanidade!
Não cedo mais, meus cabrões!

Hoje quero a Independência!
Esta é a Hora da Verdade…
Hão-de acabar os Glutões!

XXIV

E nesta Hora de Invencível Claridade…

XXV

Contribuirei, talvez, com a demência,
Com a leviandade,
Com os gazes das minhas refeições!!!

Asco! Asco! Asco das decências!
Da Sociedade!
Das multidões!

Nada mais são que aparências.
Pura falsidade!
Falsas aptidões!

E eu estou velho, sou velho, sem experiências…
Nem sei se passei pela mocidade,
Mesmo que digam que sim as sensações!

XXVI

AAAAAAAAAhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!

Ciências!
Liberdade!
Sem pressões!

AAAAAAAAAhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!

Definições…

XXVII

Preciso do concreto.
Algo que me assista de palpável.
O meu espírito vagueia como um espectro.
O meu corpo é dúctil, maleável.

Nada que conheça é definido.
Nada resiste.
Sou como um carro num troço mau, esquecido,
À espera do momento do despiste.

Quando virá a hora do acidente mortal?
Quando virá o abismo sobre o qual
Me conto despenhar?

Amanhã? Depois? No próximo Natal?
Em hora exacta à casa decimal?
Aqui? Ali? Noutro lugar?

Oh! Quantos?
Quantos?
Quantos?
Quanto mal?

Quantos sois irão ‘inda tombar
Até que chegue a fúria das monções,
Até que os nossos tristes corações
Cessem de pulsar?

Quantos,
Quantos,
Quantas depressões?!,

Quantos,
Quantos,
Quanto há-de faltar

P’ra fechar os salões,
Para o ser não vibrar…
P’ra calar os dobrões,
P’ra o Oásis secar,
P’r’ábafar os pulmões,
E a razão se apagar,
Para o fim das Estações,
Para a vida acabar?!!

XXVIII

Quanto mais se cava a Liberdade
Maiores são as prisões.
Quanto mais se cruza a Tempestade
Maior é o mar…

XXIX

O Mundo é o Carnaval das Ilusões.
Tanta ansiedade que há neste lugar!

XXX

Que ansiedade, sim, nos corações
E nestas trinta razões p’ra me matar!

Lisboa, 09/07/98

Thursday, August 16, 2007

No Gueto da Sensação (Soneto Blues):

(Onde Cada Corpo Se Trai a Si Mesmo)

Merda para o Soneto e as suas normas!
Remerda para o Ditador do verso!
Trimerda para as suas frases mornas
Tolhidas de sentido do Universo!

Fora letras feias de encomenda!
Fora régua e esquadro na[1] Emoção!
Fora Ilhéu da Escrita, de contenda
Da alma com o seu próprio coração!

Não há razão que valha ao sentimento!,
Nem regra existe que se imponha à Vida,
Mesmo se a Vida é um Formulário preto!

Jamais me apanharão (um só momento!)
Nessa armadilha suja da medida!
Que Deus me abata se isto é um Soneto!

Sapadores, 20/12/2007

[1] Nota do Autor: Versão Alternativa: Da.

Tuesday, August 14, 2007

A Queda do Anjo Negro

Adeus!, Adeus!, Jardins do trilho justo!
Da luz, da alma eterna e elevada,
Da calma, da paz mantida a custo,
Do êxtase, do gosto à carne rara!

Lugar preciso do fruto proíbido,
Pode ser visto, não pode ser tocado,
Tocado, não pode ser mordido,
Mordido, mas não saboreado…

Antes quero a perda a esse trilho,
Antes desejo a treva a esse brilho,
Antes a queda à alma su’jugada!

Melhor que a Paz, este eterno sono,
Melhor que a companhia, este abandono,
Melhor que o gozo, o já não sentir nada!

Lisboa, 14/02/00


Monday, August 13, 2007

Resignação

Amo o que me dás, seja o que fôr,
Seja isso a Morte, a Paz ou o Amor.

Amo o que me dás, mesmo se pouco;
Seja o ar, a sede ou o sufôco.

Sim, amo o que me dás, ‘inda se nada,
Oh, Vida!, de intenções empregnada!


Póvoa de Santo Adrião, 17/01/05


Sunday, August 12, 2007

Suspiro

Morte! Morte! Viagem!
Horror da Vida, imensa estagnação!
Ar puro! Ar novo! Aragem!
Que mito doloroso que é a acção!

Lausanne,14/11/04

Saturday, August 11, 2007

De Noite

Sangue nas têmporas pesadas;
Sangue nas paredes escuras da mansão;
Sangue nas mãos nervosas e apressadas,
Sangue no tapete, nas roupas, no chão.

Sangue na estátua de bronze à minha frente,
Sangue no punhal.

Sangue na mão que matou
E no corpo jacente,
Sangue que é meu, afinal…

Noite de tempestade,
Noite de inverno,
Noite Romântica (como chove lá fora!),
Noite de assombro…

Quando chegará a claridade?
Quando o fim de tudo, o Incrível Termo?
Quando a minha hora?
Quando alguém que eu ame a deixar-me o seu ombro?

Noite de lobos que uivam de fome,
Noite de crianças que choram com medo,
Noite de animais ferozes,
Noite de arrepios,
Noite de incerteza,
Noite que dormes comigo e comes comigo à mesa!

Estou tão cansado!
Estou tão cansado!
Há tanto ódio em mim,
Tanta raiva em mim,
Tanto horror em mim!,
Que falta que o amor me faz!!

Onde o abrigo que a Fé me prometeu?
Onde o porto onde o mar tem fim?
Onde o meu Deus?
Onde a Paz?

Lausanne, 27/11/04

Friday, August 10, 2007

Expiração

Lanço o último suspiro:
Desanimei de tudo.
Para mim acabou a conversa:
Estou mudo
E procuro um retiro:
Quero um quarto escuro e sem ruído
Onde ao ouvido
Não chegue mais que a promessa
Que ainda espero vir a ser cumprida:
Para o corpo, uma festa;
Para a alma, uma vida…

Lisboa, 31/03/01

Numa Cadeira

Sentado,
Sem compromissos –
Um simples repouso pontual
Marcando uma pausa no desgosto.



Confesso: É normal.
Mas não peço desculpas: É o meu luxo;
O meu pequeno vício.
Já regresso ao tédio que me foi imposto…

Lisboa, 12/03/98

Na Hora da Partida da Barca dos Pescadores

De novo o mesmo cheiro, bálsamo de espera,
De novo o mesmo gosto a soluços tristes,
De novo o mesmo sopro, o mesmo ar.

De novo a mesma barca, a tal quimera,
De novo o mesmo mastro de alambique,
De novo a flutuar no mesmo mar…

Lisboa, 19/07/97

Numa Bebedeira

Porque são falsos os Homens!
Digo-lho eu, amigo, que os conheço:
Comem, comem, comem
Tudo quanto querem –
E depois partem, com corações de gesso…

Ferem tudo, amigo, sei que ferem!
Digo-lho eu, certinho, que sei tudo:
Pedem, pedem, pedem,
E se ninguém há, que os satisfaz,
Queimam casas e sonhos, e o pasto miúdo…

Não têm alma – Que a alma só tem paz.
Digo-lho eu, colega, que fui frade:
E eles catrapás, catrapás, catrapás!,
Golpeiam sempre, sempre dão estocadas
No peito da própria Liberdade!

Deliram!, são almas penadas!
Digo-lho eu que venho sempre ao tinto!:[1]
E «Alvoradas, alvoradas, alvoradas!
Brilhai em mim durante a noite inteira!»
Em vão o rogo pois só as trevas sinto…

Mas segue a vida, de qualquer maneira;
Um gesto meu é vão e indistinto:
«Alvoradas, alvoradas, alvoradas!»…
Gritá-lo mais? Não: Mais me ressinto.

E ao amigo também doi esse limbo
Que parecemos ter à cabeceira?
Perfeito! Basta! Nem pense em mais nada!:
Junte-se a mim, nesta bebedeira! –

Uma garrafa de vinho e a vida parada,
Uma garrafa de vinho e a vida parada…

O coração bate: Não, minto.
O coração bate: Não, minto.
É alguém à entrada.

Frape! Frape! Irra, o meu achaque!
Vá-se!, que ninguém está em casa!
Volte mais tarde,
Volte à terça-feira –
Talvez já tenha tido um aneurisma…
Vamos, coração bate!
Vamos, coração arde!
Upa! Upa! Baque! Baque!

Mas ele soluça e cisma,
Mas ele soluça e cisma…

(E a alma ainda gemendo baixinho:
«Alvoradas! Alvoradas! Alvoradas!»
E o peito ainda em busca de um ninho:
«Alvoradas! Alvoradas! Alvoradas!»
Mas nada lhe chega: Só um vento maninho:
E a noite que cai negra e pesada,
E a noite q
u
e c
a
i
negra
e pesada…).

Lisboa, 02/04/01

[1] Nota do Orador (em parentises): In vino veritas.

No Poema

Corredor de vento das palavras,
Sonoro anti-estático de acento,
Aventura de cíclicas metáforas
Na cínica vogal do sofrimento.

Anel de místicas siglas onduladas
Dos canais de voz do emissor,
Sílabas de dor dissimulada,
Temporal de vírgulas e pontos.

Âncora de letras desgastadas,
Mar de esdrúxulas a abrir as madrugadas,
Onda de rítmicos verbos de-poentes,

É esta fúria louca de escrever,
Esta ilógica força de viver,
Esta vontade hercúlea de beber-te!

Lisboa, 15/05/98

Teorema Protestarial I

Mudar de roupa?
Ora!
Dizes que a reunião vai começar em breve?
Estou farto de reuniões, de ajuntamentos:
Hoje não quero reunir com ninguém.
Vai haver festa, ãh?
E bebidas, e aperitivos… sim senhor; folgo muito em saber.
E os aperitivos são aquelas doses de comida servida em pequenas quantidades,
Que se rodam pela mesa como se de uma prova se tratasse, não é?
Tivesse tido disso antes de vir para a vida
E teria sabido evitá-la.
Agora é tarde.
Porque não falaste nisso mais cedo?
Mas já nos conhecemos há muito, não é?
Já sabemos os dois como gostamos de apanhar o outro
Distraído das coisas,
Com o corpo adormecido,
Com a razão amarrada atrás das costas…
Não.
Não vou mudar de roupa.
Com muito esforço,
Se me quiserem tanto, vou mesmo assim como estou;
Senão vão todos para o Diabo!
Desperdicem-se inteiramente ou deixem-me desperdiçar-me
Sem ter quem me aborreça:
Ajuda me dão
Se me tirarem esta dor de cabeça
Que aumenta só de saber
Que tenho de ter por horas o corpo entalado num fato preto
A dar apertos de mão a pessoas vazias,
De mãos frias,
Com a vida parada,
Com o interesse gasto.
Não gosto de apertos de mão.
Nada se modifica no Mundo por apertar a minha mão a alguém –
E de que serve um gesto
Se não causar alterações no Universo?
Já sabes.
Não teimes mais comigo.
Não visto nenhum fato.
Vem mas é ajudar-me a tirar estas roupas:
Tira-me tudo o que estiver a mais no que sou.
E não me sinto ser –
Haverá possibilidade de me despires de mim próprio?
Não peço para ser o outro porque o outro também quer ser Eu.
E desejar-me a mim mesmo seria absurdo e absolutamente antagónico.
E bem sabes que não gosto de antagonismos.
Mas chega-te cá.
Traz-me esse licor.
E enche bem o copo, até acima;
E vem cá – vem dar-me o copo à boca:
Quando chegar ao fim
Por certo findou a dor –
Se pudesse também findar a vida!

Ah! Mudar de roupa??!…

Lisboa, 18/02/01

Estado do Tempo

I

Chovem flores e setas baralhadas
Lançadas por cupidos delirantes
Que vão abrindo e vão fechando as asas
Em grandes tragos sôfregos de brandy.

Chovem ideias bruscas e espaçadas
Por entre os intervalos estonteantes
Do silêncio das pedras da calçada,
Do longo frio das noites inconstantes.

Chovem gatos pretos pelos cantos,
Do cimo dos telhados estilhaçados,
Pelas pedras letárgicas do espanto.

Chove-me um acre néctar de amargura
Dos meus dois olhos negros alagados
Pela borrasca agreste da Loucura…

Lisboa, 12/10/97

II

Sou Prisioneiro de Horas que Contemplo
Pelas grades desta triste cela
Onde me encerraram (quem me vela?)
Sem um motivo, sem um Julgamento.

Sou vítima de usar o Pensamento
Para entender o Rei que me esfarela,
Que me desfaz qual cera de uma vela,
Impondo-me o seu Reino Pardacento.

Sou servo do Regime que me gela,
Sombra de mim cedendo ao Desalento,
Mastro agrilhoado por cem velas…

Sou escravo consciente do Tormento
Imposto pelos Astros, pelas Estrelas,
Pelo Estado Déspota do Tempo.

Lausanne, 02/12/04


Contra – Argumentação

O amor é o amor – e depois?
Vamos ficar os dois
A imaginar,
A pairar,
Sobre um vácuo indefinido,
No incerto de algo
Que não existe,
A poisar os olhos um no outro,
Sem nos mexermos,
Sem sonharmos,
Sem nos tocarmos,
Sem nos comermos
Com os olhos
E com o corpo,
Como loucos
Canibais esfomeados?

O amor é o amor – e depois?!
Vamos ficar aqui,
Quedos,
Mudos,
A tentar defini-lo,
Em vez de o usarmos,
De o descobrirmos,
Neste Mundo de Sonhos
Que podemos tornar
Só nosso?

O amor é o amor – e depois?!!
Esquece.
Esquece tudo.
Vive o sonho comigo.
Vamos encher o ar
Que nos rodeia,
Vamos torná-lo
nOSSO e só nOSSO,
De mais ninguém. –

O meu peito contra o teu:
Vamos ver quem vence numa guerra de almofadas.
Vamos! Continua! Não importa se as roupas estão rasgadas!
O meu peito contra o teu:
Cortando o ar,
Bebendo o mar
Que enchemos,
Que roubámos ao espaço.

Temos isto que temos.
Temo-nos aos dois,
Temos um leito
Grande,
Enorme;
Temos este laço,
Que nos pode prender e amarrar.
Por quanto tempo?
E que importa sabê-lo?
Estarmos juntos enquanto estamos juntos
É bastante.
Forçar o amor é torná-lo disforme.
Tê-lo
É vivê-lo
Sem o pressionar.

E por ora
Somos tudo,
Sem medo:
E há todo o espaço para amar!

Temos o espírito que temos.
Temos o objectivo que é nosso
E só nosso,
Como tudo o que era nosso anteriormente…

Somos todos,
Somos vários,
Somos um grupo de gente;
E somos um,
Dois,
Somos mais do que dois…(e)…

O amor é o amor – e depois?

Lisboa, 15/04/96[1]


[1] Nota do Autor: De um poema de Alexandre O’Neill.


Tuesday, August 7, 2007

A Confissão de Adão

Mulher que vens de mim, diz-me o que vês;
Vem debruçar-te neste fundo abismo;
Que pensas tu de Deus? E das marés?
O que descobres no meu Mundo em sismo?

Põe teus olhos em mim, imenso escombro,
Um vagabundo, um louco, um libertino,
Com o desgosto pendurado ao ombro
E a Alma errante em luta com o Destino…

Perscruta bem, mulher, o lamaçal
De ânsias no meu peito. Entristeço
Um pouco em cada dia. Ah!, ser mortal! –

Vem o frio do Inverno e eu padeço,
Sucumbo com o vir do vendaval,
Por ter nascido Humano, pago o preço…

Lisboa, 22/03/94

Monday, August 6, 2007

Eco


Her name is Echo; she always answers back .

In Ovid, Metamorphoses III.

Poor Echo. Like a computer, she could only repeat what she'd been told. Perhaps her doomed love affair with Narcissus is the ultimate metaphor for the relationship between Man and Machine.

In Estudo Anónimo.

I

Abre as mãos.
Toma estes frutos:
Saíram-me de dentro,
Da terra que sustento,
Com o meu suor em bruto.

Abre os braços;
Acolhe-me em teu peito.
Talvez nesse repouso
Eu ganhe eterno gozo
Ou um consolo insuspeito.

Abre o coração.
Deixa-me entrar.
Faz tanto frio, cá fora, onde me encontro!
É tão ruim este silêncio pronto!
Houvesse aí alguém p’ra conversar!

Mas ninguém passa,
Aqui,
A esta hora.

Não há
Viv’alma
Neste troço:

Eu grito: «Ter-te comigo,
Eu queria ter-te comigo…»…
E é o vento que eu ouço…

Lisboa, 04/02/01

II

Trouxe-me alguém as palavras
Que te mandei por correio.
Em vão escrevi a carta.

No chão do que sou, lavra
O Mundo o seu veio:
Essa terra, hoje seca, antes foi farta…
Lisboa, 04/02/01

Bilhete de Ida e Volta - (Mais Anexo)

I - Ida

És parte de mim.
Por isso doi-me ver-te aí deitado.
A outra parte que me sobra está suspensa.
Balouçando com o vento frio da noite.

II - Volta

É por de mais este fim.
E qual será de nós dois o enforcado?
Tu que te agitas nessa corda tensa,
Ou eu que jazo aqui esperando a foice?

III – Nota dos Correios

Sujeito A dado como morto,
Escreveu a B já desaparecido
(Que respondeu quase de seguida),
Em circunstâncias muito inexplicáveis:

Têm o mesmo endereço (são do Porto)
O mesmo nome próprio e apelido,
(Diria mesmo, quase, a mesma vida)
E os mesmos caractéres finos e frágeis;

Ficou o nosso carteiro baralhado
Perante tamanha incongruência –
Pelo que, segundo é já usado,

E agindo com plena consciência,
Não fez o intercâmbio desejado
E devolveu o correio à precedência…

Lisboa, 20/02/01

Sunday, August 5, 2007

Ela Canta, Pobre Ceifeira!

Estar à janela olhando o Infinito.
Sentir a vida por fotografias.
Ouvir pianos na alma, (que bonito!),
Pensar em dias diferentes destes dias…

Ver o Mundo todo de um castelo de areia;
Encher a paisagem de recordações…

Quando estiver essa maré mais cheia
Talvez embarque, p’r’a lá das sensações…

Ter sido puro!
Ter sido inteiramente!
Ter sido sem receio do futuro!
Felicidade!
Oh!, ceifeira inconsciente!
Guia os meus passos!
Segura no meu braço!
Ensina-me tudo!

Crianças do meu passado
Com sonhos à ilharga,
Caminhai ao meu lado
Nas horas amargas!

Ensinai-me o truque,
A forma sagrada,
De sem ter destino
Saltar para a estrada,
Em busca do nada!

No céu o silêncio.
Em mim o desgosto.
Núvens várias condensam-se
Pouco a pouco.

Esqueçam-se
As coisas mundanas.
Esqueçam-se os sonhos terrestres.
Esqueça-se a vida do corpo –

Ascendamos.
Apago as coisas profanas,
Escolho este idílio campestre
E nele fico absorto
Até ao fim do programa,
Até ao grande apogeu.

Já nada sinto e de cama,
Ouço uma chuva a cair.
Que mais existe?
Há a mente que desvanece
E o tédio que subssiste
À vida na vida inteira.

(Não sendo é e persiste,
Não sendo é e chateia…)

Sou racional.
Nego tudo o que carece de prova.
E cantar e sentir são um sinal
De fuga à vida pesarosa.

Ou por Milagre estás alheia a ela?
Ou por Ventura esqueces o seu peso?
Se acaso o corpo dorme, a alma vela –
Estou sempre acordado, sei-me sempre preso!

Ah! Mas é vão o teu cantar na lida jornaleira?[1]
Às vezes queria esse inconsciente bréu
Que te deixa sem mal
Dizer que riste.

E eu nunca ri.
Nunca olhei o céu.

Oooooooohh!, gloriosa ceifeira! –

Fui então eu,
afinal,
O grande triste!

12/07/94 – 09/01/01

[1] Nota do Autor: A palavra Jornaleira foi empregue num sentido que penso estar mais próximo do etimológico. Entenda-se portanto: diária.

Saturday, August 4, 2007

Hino Triunfal dos Servidores dos Dias

O que dizemos
Ninguém dirá.
Como o fazemos
Ninguém fará.
Palavras, gestos,
Sonhos e gritos,
São os cartazes
Do Manifesto,
As bocas molhadas
No fim dos apitos.
É tudo fúria
De sermos vivos,
É tudo coro
De um só protesto;
Não somos Homens,
Somos Meninos,
Desintegrados
Num livro aberto.
Somos os deuses
De cada Igreja,
Os pontos negros
De cada verso,
Somos os corpos
Em que o amor sobeja,
Somos partículas
Indefinidas
Do Universo!

Lisboa, 06/02/97[1]

[1] De um poema de Carlos Queirós/oz.

Friday, August 3, 2007

Resistência



Il appelait le Diable et lui demandait la mort.
C’était une façon de la surmonter.
[1]



Desisti de falar do Tempo.
Desisti de falar do Túmulo.
Deisisti de falar.
Desisti.
Desisti de amar os Homens.
Desisti de amar o Mundo.
Desisti de (te) amar.
Desisti.
Desisti de chorar os doentes.
Desisti de chorar os defuntos.
Desisti de chorar.
Desisti.
Desisti de sonhar com a vida.
Desisti de sonhar na vida.
Desisti de sonhar.
Desisti.
Desisti de pensar no Passado.
Desisti de pensar no meu estado.
Desisti de pensar.
Desisti.
Desisti de não desistir,
Deisisti de ser como sou,
Desisti de estar aqui,
Desisti do ar como o vês e o recebo,
Desisti do Céu, de Deus e do Inferno,
Desisti de fingir que sou de ferro,
Desisti de negar que sou um erro,
Desisti de ser contra os que desistem,
Desisti de ser pelos que resistem,
Desisti de ser assim,
Desisti de ser,
Desisti.

Lisboa, 17/09/96
[1] Camus, Le Mythe de Sisyphe, p.123.

Thursday, August 2, 2007

Ad Excelsis

Não seria estranho se Tudo fosse Nada sem qualquer conceito?
E tão maravilhoso ao mesmo tempo?
Que é feito
Dessa Terra Prometida
Em que dia a dia
Me sustento?
És tão controverso e tão perfeito,
Tão concretamente inexistente!!!

Lisboa, 09/08/97

Wednesday, August 1, 2007

Cacos

I

Sombra nos sonhos, sombra nas paredes,
Outros da alma, vultos pelo tecto,
Aranhas (que me agrilhoam redes),
Rosto no espelho, o meu, grotesco espectro…

II

Loja de fatos, corpos para a vida,
Meu guarda-roupa para a ocasião!,
Meu Carnaval de mim, o suicida,
Máscaras da minha variação!

III

Onde ponho os papéis e a tristeza,
Onde sufoco todos os protestos,
Onde escondo notas de vileza,
Onde me mudo e me renovo: o cesto.

IV

Lembrar o teu desdém é doloroso,
Nada posso dizer que o ilustre:
O teu mesquinho riso de ódio e gozo,
As minhas lágrimas sob a luz de um lustre.

V

Puseste o teu orgulho sobre a mesa,
E eu apostei meu coração, O Caos,
Que tu levaste, com a maior vileza,
Numa sequência alta de paus.

VI

Maçada esta luz vinda de fora!
O sangue que me corre pela aorta!
Poder negar a vida que demora
E pôr“Do not disturb” atrás da porta…

VII

Meu amor que eu amo suportar,
Quero-te sempre, mesmo sendo breve
O tempo que temos para amar!
Mas pelos Céus!, Torna-te mais leve!

VIII

Amarmo-nos ao ritmo das vagas,
Queimarmo-nos ao fim de tanto amar,
Mordermo-nos até só sermos chagas,
Fazermos da cama o nosso altar…

IX

Correr com os rios até morrer no mar,
Ouvir o Mundo Inteiro por um búzio,
Jazer na praia até ser do lugar;
Purificar os Homens num Dilúvio…

X

Jarro da Vida que me dás cuidados,
E que tão pouco vales dois patacos,
Ter-te nas mãos já me tem cansado…
Sonho que tenho de te ver em cacos!

Lausanne, 01/12/04[1]
[1] Nota do Autor: Dez poemas nascidos de dez palavras perdidas: espectro, variação, cesto, etc. Tendo ficado com elas, pelo pecado da inveja, não direi, por pudor, quem as perdeu.

Tuesday, July 31, 2007

“Positivismo”

Estou só.
Perdi tudo.
Restam- me:
Vagas Lembranças do Passado
A Dor do Presente
Vagas Esperanças no Futuro.

Lisboa, 02/01/97

Monday, July 30, 2007

Metamorfoses

I

Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Pam-Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac!
Pam-Pam-Pam-Pac!
Pac-Pac-Pac-Pam!



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Batentes!, Batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!

Batentes!, Batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite…

Parai…

Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…

…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac…Tic…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac …Tic…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac…Tic…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas,

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Estar preso!
Ser apagado e morrer aceso,
Ser apagado e morrer aceso!…



…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,



Pára Tempo, pára!
Deixa de bater aos meus ouvidos!
Tu alimentas essa angústia rara
De fazer de Tudo um Nunca-Sido.

Ah!, relógio que bates sem cessar!
Que Mundo te sustenta?

– «É uma lei redigida sem vagar
E a mão cruel que a movimenta.»

Que tristeza!
Desperdício de horas!
E vou pôr-me à janela para melhor ver o que está fora…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



E que sou eu?
Que sinto?
Em mim o breu –
Será do absinto?

Oh!, Que sou eu?!
O que sou eu?!
Que sinto?! –

Um mal por dentro,
Um nó muito cerrado;
Um brusco movimento
Nos sentidos velados
Pela sombra que me mantém coberto.

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

A mim não chega a claridade.
E um véu pesado causa grande aperto.
Entre o espaço e eu há uma grade.

Estou longe do que sou
Estive mais perto…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu


Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Não sei onde vou.
O Futuro é incerto.
E há uma estranha e irreal realidade
Que me mantém sempre desperto.

Findou o sonho vago. Nada é Uno.
A criança perdeu-se no Passado.
Tudo o que antes foi agora é fumo
Pairando no deserto.

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será do abcesso?)

(Estou longe do que sou,
Estive mais perto…)



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
Pudera eu…

Estou longe do que sou
Fui luz sou breu,
Estou longe do que sou,
Mas que sou eu?

Já esqueci tudo.
Montei na vida um estrado
Onde a cada dia represento
Novo papel,
Nova fantasia.

Estou confundido. Algo está errado.
O corpo que me coube é um pouco lento;
Não há ritmo neste Rapunzel,
Não há harmonia.

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será da agonia?)

Sabê-lo? Como se me abandonei?
Se me confundo na Obscuridade?
Passo por tudo sem Destino ou Lei,
Leio nas Estrelas a Mendicidade…[1]

Sou um vagabundo, nu, entre a geada,
Sem refúgio da Vida, sem um coito
Que me abrigue desta Noite Gelada,
Que me albergue nesta Gelada Noite …

Oh!, Existencia, Sombra Estagnada,
Que te defines pelo sofrimento!
És uma noite sempre inacabada
Que se prolonga pelos dias dentro!

Ah, pára Tempo (Vil Tirano) pára!
Porque tanto insistes em bater?
Tu alimentas esta angústia clara
De sentir que estou a acontecer…

Mas não é mais que um parecer,
Mas não é mais que um perecer:

Sentir a dor que não pára
Parar a dor é morrer!

Parar a dor que não pára
Sentir o Corpo doer…



Sim, Tempo, pára!
Sim, Corpo, pára!
Oh, sim, morrer!



Sentir é só uma dor que nunca sara.
Ser é Não-Ser.



…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



O Tempo corre mas a vida é parada,
O Tempo corre mas a vida é…

(O que é a vida,
O que é?)

A vida é nada,
A vida é nada,
A vida é nada…

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será da derrocada?)

Sim. Tombou a minha alma…

“Ed è stato come se
Questo cielo in fiamme ricadesse in me,
Come scena su un attore…”

Ed è stato come se
Vivessi nel stupore,
Come cadessero gli astri sopra un fiore,
Brucciando un fuoco in me…

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será falta de Fé?)

Porque tombou a minha alma…

Ah, ser indistinto do pó dos meus pés!
Quero queimar! Arder!

Tem calma…

Arder! (porque me minto),
Ceder ao meu instinto
Que age e não vê…



Calma,
Calma…



Perch’ è stato come se
Vivessi nel stupore,
Come cadessero gli astri sopra un fiore,
Brucciando un fuoco in me…

Calma,
Calma…

Signore, monsieur, distinto!,
Tenha a bondande, dê fogo!
Já se perdeu o que sinto
Mesmo se isso é tão pouco…

Mas ah!, que me importa?! Talvez se cure tudo!:
Se o espírito se evade na Quarta-Feira de Cinzas,
Então que ardamos o corpo no Entrudo!
Talvez o Demo lhe dê as boas vindas!

Calma,
Calma…

Então?
Traz fósforo o senhor?
Pois que queime!
É só barro e argila… –
Se puder eu ajudo!

Calma,
Calma…

Porquê a agitação?
Fala da dor?
Ora, não teime!
Impossível senti-la!
Tenho o corpo mudo…

Calma,
Calma…

Calou-se há anos… cem? Duzentos? Mais!
Selou-se com a palavra: FIM…
Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…



A decadência é total: Pareço lava.
E sinto-me ir descendo devagar
Para o fundo húmido de um poço,
Expulso do banco do balouço
Onde antes me sentava.

Porque antes eu era uma criança
Com o olhar sorvendo o Universo;
Antes tinha sonhos e Esperança…
Esperava o Bem… tive o seu inverso…

Pois não há Bem além de certos livros,
E eu estou tão cansado de leituras!
De sonhar com Brazis empedernidos
Além dos limites da Loucura!…



Não quero sonhar mais
Porque este sonho é falso.
Só as dores são reais,
O sofrimento é mais alto.



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!

Acabou o sonho!
Acabou o sonho!
Acabou o sonho!
Acabou!

Que a ilusão se apague do que sou,
Que a ilusão se apague do que sou,
Que a ilusão se apague do que sou…

Estou longe do que sou,
Estive mais perto,
O sonho acabou
E o real é deserto;

Estou longe do que sou,
Estive mais perto,
O sonho acabou
E o real…

O real sou eu a acontecer,
É a minha sensação…

Sou eu no meu caminho a conhecer
A minha solidão.

O real sou eu,
E o resto de mim que se perdeu,
É a ilusão desfeita pelo breu,
É a ilusão…

É o resto de mim que se perdeu,
É a minha solidão…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Pam-Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac!
Pam-Pam-Pam-Pac!
Pac-Pac-Pac-Pam!



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.

Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas!



Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!

Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite…

Parai…

Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

Sim.Eu sinto ainda a dor;
E o Bem não existe,
E é dos livros o amor.

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Não quero sonhar mais
Porque este sonho é falso.
Só as dores são reais.
E o meu desgosto é mais alto…

Miserere, Misero me…
Però brindo alla vita…

Ma la vita,
Ah, la vita cos’è?
Tutto o niente,
Forse neanche un perchè…

(O que é a vida,
O que é?)

A vida é nada,
A vida é nada,
A vida é nada…

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será da derrocada?

Sim. Tombou a minha alma…

…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



O Tempo corre mas a vida é parada,
O Tempo corre mas a vida é…

Calma,
Calma…

Acabou o sonho –
Repito.
Morreu o menino da Infância imaginada;
Violado,
Espancado,
Escorraçado.

Forçado me ponho
Neste trono maldito:
Pareço estar à vida condenado…

A vida é parada,
Tudo é pesado.



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.

Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas!


Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parece noite fúnebre, parai!

Há uma ânsia em mim que não me sai;
Há uma ânsia em mim que pede paz;
Há uma angústia, um gemido, um ai;
Mas logo o calam pás deitando terra,
Mas logo o calam pás deitando terra,
Mas logo o calam pás…

A minha dor a mim mesmo me enterra,
O menino que eu fui mas não fui jaz
Dentro do meu peito,
Dentro do meu peito,
Vivo curvado, nunca estou direito,
Vivo curvado, nunca estou direito,
Vivo curvado…

Respirar é o meu único pecado,
Respirar é o meu único pecado,

Oh Deus que não existes,
Quando acabo?
Oh Deus que não existes,
Quando acabo?

Porquê ser triste?
Porquê ser escravo?
Oh Deus que não existes,
Porquê ser?

O real sou eu a acontecer,
O real sou eu…

O real é a dor a acontecer
E o resto de mim que se perdeu…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu


Vento, vento, vento…



…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



Assombro!… O relógio ainda bate!…

…Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac! Pam-Pac!…

É o pulso; é o Tempo…

Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parai!

Oh, meu coração, és tu? És tu então?
Não!, não batas mais,
Não!, não batas mais,
Não!

Porquê persistir na Solidão?
Porquê persistir na Solidão?
Porquê persistir na Solidão?
Porquê?

Ser é Não-Ser
Por isso perece e sê.



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.

Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento, vento, vento…


Tudo é pesado.
A vida é parada.
O meu coração é um resto de nada
Que bate turbulento.



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,

Alegria!
Alegria!
Quem te ceifou?

Uma foice negra te cortou,
Uma foice negra te cortou,
Uma foice…



E a vida é parada.
Tudo é pesado:
Não ter sensação
Sentir-me domado.

Na lama da vida
Na lota do cais
Jazer sem saída
Gemer os meus ais.

No mar à deriva,
Prostrado na lama,
Cumprir a missiva
De um Domínio em chamas

Pois tudo é pesado
Parado no escuro,
Sentir-me agastado
Não ter um Futuro…

O meu sentir as coisas é desgosto puro!,
O meu sentir as coisas é desgosto puro!,
Dormi na vida, isolou-me um muro
Feito de braços de Homens rechaçados…

O meu sentir as coisas é pura agonia!,
O meu sentir as coisas é pura agonia!,
Tem o selo do Tenebror dos Dias
E o sangue de Homens esfacelados…

O meu sentir as coisas é casado com a noite!,
O meu sentir as coisas é casado com a noite!,
E levei ao respirar tamanho coice
Que me mantenho ainda atordoado…

Batentes!, Batentes!,
Calai a dor!, calai!

Porque há uma ânsia em mim que não me sai,
Há uma ânsia em mim…

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,

Batentes!, Batentes!,
Sejai Clementes,
Soai o Fim,
Sejai Clementes,
Soai o Fim,
Sejai clementes…

O sonho é curto
A dor é permanente,
O sonho é curto,
A dor…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.

Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…


Infância, infância!
Surge da bruma!
Volta do torpôr!
Faz-me feliz, dá-me as horas belas,
Que nunca foram, que eu nunca senti…

Será que eu nunca aconteci?

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Criança que eu fui, regressa a mim!

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Criança que eu fui, regressa a mim!
Será que eu nunca aconteci?

(Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a dor, virei, virei-a em mim…)

(…)

(Virei a mim depois do Sol se pôr,
E o Sol pôs-se e eu ‘inda não vim…)

(Batentes!, Batentes!,
Sejai Clementes,
Soai o Fim…)

(…)

Em vão nisto medito.
Em vão, pela criança, eu hoje grito:
(Ecoa o grito pela noite fora)…

Agora veio o Louco, veio o Louco agora,
Rir-se da minha condição,
Rir-se da minha condição,
Rir-se da minha condição,

De ser NADA
NADA
NADA,

Ah! Ah! Ah! Ah!

Sou NADA
NADA
NADA,

Ah! Ah! Ah! Ah!
Sou…

Ah! Ah! Ah! Ah!
É rir chorando, é rir!,

O Folião chegou…

No balouço também já se sentou,
No balouço também já se sentou,
No balouço montou a sua tenda,
Pôs a minha alma à venda
E a minha vida parada…

No balouço,
No balouço,
No balouço,
Onde a criança que (eu) não fui brincava…

Alegria!
Alegria!
Quem te ceifou?

Uma foice negra te cortou,
Uma foice negra te cortou,
Uma foice…

Ela veio no assombro trágico da Noite,
Ela veio no assombro trágico da Noite,
Surgiu e secou…



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,



A vida é parada,
Tudo é pesado.
Ser é Sensação,
Um nada sonhado.

Tudo é pesado
Sendo tudo nada,
Viver de enfados
D’ alma estagnada.

Ser é Sensação
Teia de cuidados,
Suja imposição
Do meu negro Fado.

Um nada sonhado
Que me vem comendo,
Irei enterrado,
Mas não vou vivendo…



Porque há uma mudança pela estrada,
Porque há uma mudança pela estrada,
Porque a Esperança pereceu esventrada,
Porque a Esperança que me vem roendo…

Recordação que dói de ser criança!,
Morre na Alvorada
Vai desvanecendo…

Não há razão para vires doendo,
Não há razão porque eu não entendo,
Eu não entendo, não, não há razão:

Parte!, vai!, meu Inuendo!

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!

Recordação!

Pudesses tu desvanecer na dança
Da minha Solidão!

Se tu pudesses arrancar, partir!,
Num qualquer navio de podridão!…
Esquecendo-te talvez pudesse rir,
Rir-me da minha condição:

De ser NADA
NADA
NADA,

Ah! Ah! Ah! Ah!

Sou NADA
NADA
NADA,

Ah! Ah! Ah! Ah!
Sou…

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah, rir chorando, rir!,

O Folião chegou…

Trazendo a Opressão
Do Negro Fado,
Com a Morte e a Solidão
Mesmo a seu lado…

Sentou-se e reinou.

Lisboa 11/12/96 – Bruxelas, 05/07/04

II

A Morte e a Solidão,
Irmãs inseparáveis,
Levaram-me em caixão
Numa grande viagem.

Passei por caminhos
De pedra e de lama
E vi azevinhos
Lambidos por chamas.

Passei por cavernas
Morada de monstros,
Mostraram-me as pernas
E o puro desgosto;

Cruzei mil valados
E as covas mais fundas
E vi os enterrados
Saírem da tumba;

Levaram-me ao fundo
De toda a miséria
E ao seio imundo
Das coisas etéreas.

Vi o cabo do medo,
O abismo da fome
E provei o degredo
Do Anjo-Sem-Nome;

Tiraram-me os olhos,
Cortaram-me as mãos
E fizeram folhos
Do meu coração.
Queimaram-me a alma,
Cozeram-me os pés,
E o meu ser da calma
Foi p’las chaminés.

Despiram-me as roupas,
Tiraram-me a pele,
Dobraram-me os sonhos,
Bebi o seu fel,

E depois vieram
Com um fato de bobo,
Em mim o vestiram
E disseram: dança.

Desfeito, submisso,
Olhei o meu roubo,
E os meus ossos lisos
Dançaram na campa.

Lisboa, 20/01/01


III

Desconheço tudo:
Quem sou
Onde estou,
Porque me sinto tão rijo
No corpo
E nos sentidos.
Certezas? Só duas:
A Morte está perto
E a Solidão perdura.

Tenho o espírito mudo.
O sonho acabou,
O sono findou,
E na vigília permanente redijo
(Breve conforto,
Eterno castigo),
A minha confissão sofrida e crua:
O Eterno e Humano Desacerto,
O meu sublime Elogio da Loucura!


Lisboa, 03/02/01

IV

Há uma ânsia em mim que não me sai.
Há uma ânsia em mim…

Batentes!, Batentes!
Sejai clementes!

Soai o Fim,
Soai,
Soai o Fim…

Bruxelas, 05/07/04


[1] Nota do Autor: Versão alternativa: a) Leio nas Estrelas a Inutilidade; b) Leio nas Estrelas a Mediocridade.

Sunday, July 29, 2007

Horizontes

Está na Natureza do Homem ser assim:

Velho,
Triste,
Cansado,
Tolo fugindo ao Futuro,
Por não erguer o seu rosto
Para olhar adiante.…

De que te serve essa apatia constante?

A inércia é o princípio do fim.
A vida está no Levante…

Lisboa, 09/03/97

Saturday, July 28, 2007

Viagens

I

Viajamos num mundo de sonhos
Que nos assusta por vezes,
Que nos parece medonho.

Caminhamos num espaço
Descido por escadas corridas
De medo e mágoa.

Encontramos a cada passo.
O cruzamento de inúmeros rios
Que nos afogam inter calados.

Devoramos o espaço
Com um intenso desejo de poder-
Mos viver des controlados.

Calçamos as luvas dos outros
Para aquecer o frio,
Bebemos sôfregos
Garrafas e garrafas de vinho
Para não sermos sozinhos,
Para esquecermos o Passado,
E partilharmos a cama
E o sexo
Possesso
Com o vazio.

Lisboa, 20/08/97

II

O marinheiro iça a vela
Do fundo do seu mastro –
Está na hora
De descobrir Novos Mundos.

Sacudindo do ombro uma cidade adormecida,
Está de partida
Para Novas Paragens,
Distantes de um Passado moribundo.

Aqui nesta barca,
Coleccionam-se retalhos da vida,
De porto em porto,
Guardam-se fotografias de olhares profundos,
Recordados por flashes de memória.

Aqui nesta barca,
Bebemos rum para aquecer o corpo,
Contamos histórias de piratas,
E escrevemos a nossa própria História.

Lisboa, 20/08/97

Friday, July 27, 2007

Vazio

Sopro de nada,
Ser indefinido,
Chora sozinho
O teu destino
De não seres nada.

Choro de nada
De um violino,
Chora baixinho,
Voz miudinha,
Convulsionada.

De que te serve
O choro e a mágua?
Tu estás sozinho,
Ninguém te vale,
Não vale nada!

Homem sem tino,
Com sonhos de vidro,
Chora sozinho
O teu destino
De não seres nada.

De que te serve
O choro e a mágua?
Ninguém te ouve,
Ninguém te quer,
Não vales nada.

Lisboa, 18/07/97[1]

[1] Nota do Crítico: Poema pobre plagiando Camilo Pessanha: Chorai arcadas do violencelo!, etc. A vergonha inoriginal do plágio mostra bem da natureza imoral e desprovida de talento do autor destes textos. Que o editor tenha o bom senso de não publicar e consequentemente expandir este atentado ao gosto literário!

Thursday, July 26, 2007

Ama Quello che Non Ha…

I

Um poema pode apenas ser
Num pouco de papel uma palavra.
Se importa o que está escrito,
Importa mais do que isso o que tu lês;
Para lá dos olhos do leitor,
Não existe a linguagem, não existe o amor,
Não existe o poema,
Mas apenas nada…

Lisboa, 07/04/97

II

Amo,
Amo,
Amo,
Mas o que amo onde está?
Eu chamo por tudo, eu chamo,
Mas só a Ausência responde,
Só o Vazio tem um nome,
É só o Vácuo o que há…

Bruxelas, 05/07/04

III

Se, o que eu vejo, só no meu olhar consiste,
O que eu vejo (que é o que eu amo) não existe…

Bruxelas, 05/07/04

Wednesday, July 25, 2007

Na Gare A Que Chamam Fim...

I

Próxima Partida: Anunciação.
Na Gare da Vida, Via d’ Aflição.

Lausanne, 30/11/04

II

Quando acabar este Mundo
Estarei, contigo, a teu lado,
Com um bom vinho maduro
(Meu salmo de cabeceira)
E os velhos sonhos dobrados
Na algibeira.

Quando acabar esta noite,
Virá um dia mais escuro,
Sem sol que brilhe e se afoite:
Sobra a noite que resiste,
Fica o Horror, esse muro
Denso e triste.

Quando acabar esta vida,
Virá a Morte Incansável,
Com a sua mão decidida,
No seu cavalo montada,
Colher o ser Miserável
Que é nada.

Quando Eu, o triste, acabar,
Já quando não houver Mundo,
E nada tiver lugar,
Não virás tu do Vazio
Suster meu corpo desnudo,
Roxo e frio.

Quando acabar este sonho,
Já quando não houver céu,
E todo o ar fôr medonho,
Sobre um deserto de dó,
E em tudo reinar o breu,
Estarei só…

Lisboa, 02/12/96
III

Oh!, estrelas que o céu perdeu,
Eu nasci p’ra ser sozinho!
Esta teia em que definho,
Que aranha negra a teceu?

Lausanne, 29/11/04

IV

Oh estrelas que o céu perdeu,
A teia que me prendeu
É a Vida, O Grande Nó.

Que aranha negra a teceu?
Estará nela a mão de Deus
Ou a sensação com que sou?

Eu nasci p’ra ser sozinho,
P’ra me rojar no caminho
Que o Destino me forçou.[1]

Esta teia em que definho,
Das minhas ânsias, o ninho,
Desde sempre me encerrou.

Conhecer o fim do Mundo,
Indo em mim mesmo ao mais fundo,
Roendo o horror que restou,

É o meu dever imundo
De Eterno Vagabundo.
Que demónio me criou?


V

Desconheço qual o monstro,
Não reconheço o meu rosto,
Não sou ninguém ou sou outro,
Eu nem sei que aconteceu…

Lausanne, 29/11/04

IV

Foi o Tempo que passou,
Foi o Tempo que passou,
Foi o Tempo que passou,
Mas quem viveu?

Lisboa, 04/07/01

V

Não fui eu,
Não fui eu…
Algo em mim me abandonou,
– Foi a razão?
– Não. Fui eu…

Lisboa, 15/07/01

VI

Por entre o frio da estação
Onde passam os comboios
Vi um rosto familiar:

Era a minha Sensação:
Tinha lágrimas nos olhos,
E uma expressão de pesar.

– De onde te vem a tristeza?
Porque fugiste de mim? –
Perguntei-lhe estarrecido.

– Eu vivo na Incerteza,
Entre o Princípio e o Fim.
Sentir e ser sem ter sido!

Tudo na vida é tão vago!
Tal como este nevoeiro…
E ser forçada a sentir!

Pudesse só ser um prado
Desde Janeiro a Janeiro!
Pudesse nunca existir!

Lausanne, 30/11/04

VII

Ah!, comboio da vida ! O teu embarque
Deixou-me sem ter forças que o abarque,
Quebrou-me o coração que ainda se parte,
Deixou-me com a razão ‘inda a pensar que…

Lausanne, 30/11/04

VIII

Pudesses não arrancar!,
Pudesses ficar na gare,
Nunca ligar o motor!

Mas já se ouve um apito,
Ao fundo da linha um grito…
E vais a todo o vapor…

Lausanne, 30/11/04

[1] Nota do Autor: Versão Alternativa: Que a minha angústia moldou.

Tuesday, July 24, 2007

Poema Apócrifo de Marcel Duchamp

L.H.O.O.Q.
Elle Ache Ô Ô Qu
Elle a chaux au cu
Elle a chaux, oh Q!
Elle est jeune,
Elle est jaune,
Elle est June,
Qui est tu?
Je suis O et mon Histoire
Est sans beauté ni espoir,
Je crains la vie, le mirroir,
Et je suis faite pour voir
Le déboche, l'orgie, l'honte -
Sur la barque de Caronte,
Toutes les eaux sont noires -
Je suis O,
Et j'ai chaux,
Et jusque là tout va bien -
Mais tout le reste est bizarre!
Comme un songe du Levant! -
La vierge dors.
Le roi se meurs.
«La bouche d'Or»...
La peur. La peur...
La terre tourne autour du soleil;
La vie me tourne autour du sommeil...
Ne t'assoies pas sur ce fauteil -
Tu te pentiras.
Ne t'assoies pas
Tu te pentiras,
Ne sois pas,
Tu te pentiras,
Je ne sais pas quoi,
Tu te pentiras...
La Fointaine m'ecrivais des lettres de son moulin;
Alphonse Daudet chantais
Les fables du gris matin;
La fontaine où je buvais
(Oh mon Dieu que je suis faible!)
Avais de l'eau et du vin
Elle avais des jolis rêves -
Mais un jour j'ai découvert
Que caché dérrière les arbres
Sous le lit et mes couvertes,
Sur les colomnes de marbre,
Il y avait un chemin
Fait de noircis boulevards,
Fait de cris et de chagrins,
De terribles cauchemars,
Dans chaque joli visage
De fille, bête ou object,
Et dans chaque paysage
Il n'y avais que nuage,
Mensonge, horreur et regret.
J'ai compris que l' au de-là
Des choses qu'on voit ici
N'a qu'illusions d'une foi
Qui ni serve ni suffit.
J'ai vu sans ombre ni doute
La vérite derrière l'herbe:
Ni vert', ni frèche, ni douce:
Mas comme le monde: Mèrde!

Monday, July 23, 2007

Estava à Janela do Sonho…

I

Sonhar é cavalgar por entre as estrelas,
Pôr uma cerca em volta do Infinito,
Fazer parte das coisas e bebê-las
Como quem bebe um cálice proscrito.

Sonhar é navegar sem tempestade,
Partir, zarpar de todas as nascentes,
É iludir o dogma da Verdade
E a sensação de Morte nos Poentes.

Fechar e abrir os olhos num segundo!
Partir sem ter atrás obrigações!,
C’o coração rindo em redor do Mundo,
C’ o corpo inteiro em celebrações!

Ah!, poder ser maior que o firmamento!,
Maior que as águas em exaltação,
Maior que o Homem que guardamos dentro!:
Ser-se senhor da sua condição!

Ah!, eu sonhar abrir uma janela
Que dê para a avenida ou para um rio,
E desse gesto simples ver por ela
O dissipar das chagas do vazio…

Ser alma inteiramente, o interior
Do Universo, Reino dos Sistemas,
E nesse campo recolher a flor
Que será fruto, como nos poemas…

Oh, sim!, sonhar, sonhar, sonhar Amor!,
Ter paz nos dias, mesmo que pequena,
E imaginar que apesar da dor,
Viver, esse tormento, vale a pena…

Lisboa, 04/12/96

II

E acordar depois, com o sonho por metade,
E ver o peso bruto da verdade…

Que pena!

Lausanne, 29/11/04

III

Estava à janela do sonho
A ver passar os soldados,
A ver tombar os poentes
Entre dois lagos parados.

Estava à janela do sonho,
Como à janela da vida,
Criando mundos de gente
Bem mais humana e mais viva.

Estava à janela do sonho,
Como à janela de mim,
Jogando às cartas com os dias,
E apostando no Fim.

Estava à janela do sonho,
Mas veio um vento de norte –
Logo fechei a janela –
Mas tinha entrado: Era a Morte.[1]

Lausanne, 29/11/04

[1] Nota do Autor: Versôes alternativa: Mas acordei: Era a Morte. /Mas foi já tarde: Era a Morte.

Sunday, July 22, 2007

Heliocentrismo - Que Bom É Ser O Sol! - Versão Poética (Ou Um Delírio no Espelho)


O puro génio quer-se livre e, como tal, é amoral e irresponsável.

Que pena é reconhecer-me um miserável...


(Lisboa, 21/12/02)

Saturday, July 21, 2007

Digressão

A Natureza é um estado de alma:
Símbolo e signo das vontades do Homem.

O corpo é uma ideia da Ciência,
Que é o mesmo que dizer
Religião.

Um mar bravo é o meu peito sem calma.
Árvores dentadas são ratos que me roem.
No campo, a paz, o sonho, a paciência…

O real sou eu a acontecer,
É a minha sensação.

E eu,
Que sou?

E tu amor?

E os dois?

Dois mUNDOS
Separados do Mundo
Cuja felicidade vai sendo adiada
Para depois
E depois
E depois
E depois
E depois
E depois…

Lisboa, 12/12/96