Monday, July 30, 2007

Metamorfoses

I

Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Pam-Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac!
Pam-Pam-Pam-Pac!
Pac-Pac-Pac-Pam!



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Batentes!, Batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!

Batentes!, Batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite…

Parai…

Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…

…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac…Tic…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac …Tic…
…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac…Tic…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas,

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Estar preso!
Ser apagado e morrer aceso,
Ser apagado e morrer aceso!…



…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,



Pára Tempo, pára!
Deixa de bater aos meus ouvidos!
Tu alimentas essa angústia rara
De fazer de Tudo um Nunca-Sido.

Ah!, relógio que bates sem cessar!
Que Mundo te sustenta?

– «É uma lei redigida sem vagar
E a mão cruel que a movimenta.»

Que tristeza!
Desperdício de horas!
E vou pôr-me à janela para melhor ver o que está fora…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



E que sou eu?
Que sinto?
Em mim o breu –
Será do absinto?

Oh!, Que sou eu?!
O que sou eu?!
Que sinto?! –

Um mal por dentro,
Um nó muito cerrado;
Um brusco movimento
Nos sentidos velados
Pela sombra que me mantém coberto.

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

A mim não chega a claridade.
E um véu pesado causa grande aperto.
Entre o espaço e eu há uma grade.

Estou longe do que sou
Estive mais perto…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu


Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Não sei onde vou.
O Futuro é incerto.
E há uma estranha e irreal realidade
Que me mantém sempre desperto.

Findou o sonho vago. Nada é Uno.
A criança perdeu-se no Passado.
Tudo o que antes foi agora é fumo
Pairando no deserto.

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será do abcesso?)

(Estou longe do que sou,
Estive mais perto…)



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…
Pudera eu…

Estou longe do que sou
Fui luz sou breu,
Estou longe do que sou,
Mas que sou eu?

Já esqueci tudo.
Montei na vida um estrado
Onde a cada dia represento
Novo papel,
Nova fantasia.

Estou confundido. Algo está errado.
O corpo que me coube é um pouco lento;
Não há ritmo neste Rapunzel,
Não há harmonia.

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será da agonia?)

Sabê-lo? Como se me abandonei?
Se me confundo na Obscuridade?
Passo por tudo sem Destino ou Lei,
Leio nas Estrelas a Mendicidade…[1]

Sou um vagabundo, nu, entre a geada,
Sem refúgio da Vida, sem um coito
Que me abrigue desta Noite Gelada,
Que me albergue nesta Gelada Noite …

Oh!, Existencia, Sombra Estagnada,
Que te defines pelo sofrimento!
És uma noite sempre inacabada
Que se prolonga pelos dias dentro!

Ah, pára Tempo (Vil Tirano) pára!
Porque tanto insistes em bater?
Tu alimentas esta angústia clara
De sentir que estou a acontecer…

Mas não é mais que um parecer,
Mas não é mais que um perecer:

Sentir a dor que não pára
Parar a dor é morrer!

Parar a dor que não pára
Sentir o Corpo doer…



Sim, Tempo, pára!
Sim, Corpo, pára!
Oh, sim, morrer!



Sentir é só uma dor que nunca sara.
Ser é Não-Ser.



…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



O Tempo corre mas a vida é parada,
O Tempo corre mas a vida é…

(O que é a vida,
O que é?)

A vida é nada,
A vida é nada,
A vida é nada…

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será da derrocada?)

Sim. Tombou a minha alma…

“Ed è stato come se
Questo cielo in fiamme ricadesse in me,
Come scena su un attore…”

Ed è stato come se
Vivessi nel stupore,
Come cadessero gli astri sopra un fiore,
Brucciando un fuoco in me…

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será falta de Fé?)

Porque tombou a minha alma…

Ah, ser indistinto do pó dos meus pés!
Quero queimar! Arder!

Tem calma…

Arder! (porque me minto),
Ceder ao meu instinto
Que age e não vê…



Calma,
Calma…



Perch’ è stato come se
Vivessi nel stupore,
Come cadessero gli astri sopra un fiore,
Brucciando un fuoco in me…

Calma,
Calma…

Signore, monsieur, distinto!,
Tenha a bondande, dê fogo!
Já se perdeu o que sinto
Mesmo se isso é tão pouco…

Mas ah!, que me importa?! Talvez se cure tudo!:
Se o espírito se evade na Quarta-Feira de Cinzas,
Então que ardamos o corpo no Entrudo!
Talvez o Demo lhe dê as boas vindas!

Calma,
Calma…

Então?
Traz fósforo o senhor?
Pois que queime!
É só barro e argila… –
Se puder eu ajudo!

Calma,
Calma…

Porquê a agitação?
Fala da dor?
Ora, não teime!
Impossível senti-la!
Tenho o corpo mudo…

Calma,
Calma…

Calou-se há anos… cem? Duzentos? Mais!
Selou-se com a palavra: FIM…
Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…



A decadência é total: Pareço lava.
E sinto-me ir descendo devagar
Para o fundo húmido de um poço,
Expulso do banco do balouço
Onde antes me sentava.

Porque antes eu era uma criança
Com o olhar sorvendo o Universo;
Antes tinha sonhos e Esperança…
Esperava o Bem… tive o seu inverso…

Pois não há Bem além de certos livros,
E eu estou tão cansado de leituras!
De sonhar com Brazis empedernidos
Além dos limites da Loucura!…



Não quero sonhar mais
Porque este sonho é falso.
Só as dores são reais,
O sofrimento é mais alto.



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!

Acabou o sonho!
Acabou o sonho!
Acabou o sonho!
Acabou!

Que a ilusão se apague do que sou,
Que a ilusão se apague do que sou,
Que a ilusão se apague do que sou…

Estou longe do que sou,
Estive mais perto,
O sonho acabou
E o real é deserto;

Estou longe do que sou,
Estive mais perto,
O sonho acabou
E o real…

O real sou eu a acontecer,
É a minha sensação…

Sou eu no meu caminho a conhecer
A minha solidão.

O real sou eu,
E o resto de mim que se perdeu,
É a ilusão desfeita pelo breu,
É a ilusão…

É o resto de mim que se perdeu,
É a minha solidão…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Pam-Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac!
Pam-Pam-Pam-Pac!
Pac-Pac-Pac-Pam!



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.

Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas!



Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!

Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite…

Parai…

Há uma ânsia em mim que não me sai…
Há uma ânsia em mim…

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

Sim.Eu sinto ainda a dor;
E o Bem não existe,
E é dos livros o amor.

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!
Não quero sonhar mais
Porque este sonho é falso.
Só as dores são reais.
E o meu desgosto é mais alto…

Miserere, Misero me…
Però brindo alla vita…

Ma la vita,
Ah, la vita cos’è?
Tutto o niente,
Forse neanche un perchè…

(O que é a vida,
O que é?)

A vida é nada,
A vida é nada,
A vida é nada…

(Em mim o breu –
Será do absinto?)

(Em mim o breu –
Será da derrocada?

Sim. Tombou a minha alma…

…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



O Tempo corre mas a vida é parada,
O Tempo corre mas a vida é…

Calma,
Calma…

Acabou o sonho –
Repito.
Morreu o menino da Infância imaginada;
Violado,
Espancado,
Escorraçado.

Forçado me ponho
Neste trono maldito:
Pareço estar à vida condenado…

A vida é parada,
Tudo é pesado.



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.

Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas!


Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parece noite fúnebre, parai!

Há uma ânsia em mim que não me sai;
Há uma ânsia em mim que pede paz;
Há uma angústia, um gemido, um ai;
Mas logo o calam pás deitando terra,
Mas logo o calam pás deitando terra,
Mas logo o calam pás…

A minha dor a mim mesmo me enterra,
O menino que eu fui mas não fui jaz
Dentro do meu peito,
Dentro do meu peito,
Vivo curvado, nunca estou direito,
Vivo curvado, nunca estou direito,
Vivo curvado…

Respirar é o meu único pecado,
Respirar é o meu único pecado,

Oh Deus que não existes,
Quando acabo?
Oh Deus que não existes,
Quando acabo?

Porquê ser triste?
Porquê ser escravo?
Oh Deus que não existes,
Porquê ser?

O real sou eu a acontecer,
O real sou eu…

O real é a dor a acontecer
E o resto de mim que se perdeu…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.



Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu


Vento, vento, vento…



…Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic…



Assombro!… O relógio ainda bate!…

…Pac!, Pam-Pac!, Pam-Pac! Pam-Pac!…

É o pulso; é o Tempo…

Batentes!, batentes!
Calai todos os gritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parece noite fúnebre de ritos!
Parai!

Oh, meu coração, és tu? És tu então?
Não!, não batas mais,
Não!, não batas mais,
Não!

Porquê persistir na Solidão?
Porquê persistir na Solidão?
Porquê persistir na Solidão?
Porquê?

Ser é Não-Ser
Por isso perece e sê.



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.

Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento, vento, vento…


Tudo é pesado.
A vida é parada.
O meu coração é um resto de nada
Que bate turbulento.



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,

Alegria!
Alegria!
Quem te ceifou?

Uma foice negra te cortou,
Uma foice negra te cortou,
Uma foice…



E a vida é parada.
Tudo é pesado:
Não ter sensação
Sentir-me domado.

Na lama da vida
Na lota do cais
Jazer sem saída
Gemer os meus ais.

No mar à deriva,
Prostrado na lama,
Cumprir a missiva
De um Domínio em chamas

Pois tudo é pesado
Parado no escuro,
Sentir-me agastado
Não ter um Futuro…

O meu sentir as coisas é desgosto puro!,
O meu sentir as coisas é desgosto puro!,
Dormi na vida, isolou-me um muro
Feito de braços de Homens rechaçados…

O meu sentir as coisas é pura agonia!,
O meu sentir as coisas é pura agonia!,
Tem o selo do Tenebror dos Dias
E o sangue de Homens esfacelados…

O meu sentir as coisas é casado com a noite!,
O meu sentir as coisas é casado com a noite!,
E levei ao respirar tamanho coice
Que me mantenho ainda atordoado…

Batentes!, Batentes!,
Calai a dor!, calai!

Porque há uma ânsia em mim que não me sai,
Há uma ânsia em mim…

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,

Batentes!, Batentes!,
Sejai Clementes,
Soai o Fim,
Sejai Clementes,
Soai o Fim,
Sejai clementes…

O sonho é curto
A dor é permanente,
O sonho é curto,
A dor…



Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu
Vuuuuuuuuuuuuu



Vento nas janelas.

Pudera eu fugir por elas,
Pudera eu fugir por elas…


Infância, infância!
Surge da bruma!
Volta do torpôr!
Faz-me feliz, dá-me as horas belas,
Que nunca foram, que eu nunca senti…

Será que eu nunca aconteci?

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Criança que eu fui, regressa a mim!

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,
Criança que eu fui, regressa a mim!
Será que eu nunca aconteci?

(Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a mim depois do Sol se pôr,
Virei a dor, virei, virei-a em mim…)

(…)

(Virei a mim depois do Sol se pôr,
E o Sol pôs-se e eu ‘inda não vim…)

(Batentes!, Batentes!,
Sejai Clementes,
Soai o Fim…)

(…)

Em vão nisto medito.
Em vão, pela criança, eu hoje grito:
(Ecoa o grito pela noite fora)…

Agora veio o Louco, veio o Louco agora,
Rir-se da minha condição,
Rir-se da minha condição,
Rir-se da minha condição,

De ser NADA
NADA
NADA,

Ah! Ah! Ah! Ah!

Sou NADA
NADA
NADA,

Ah! Ah! Ah! Ah!
Sou…

Ah! Ah! Ah! Ah!
É rir chorando, é rir!,

O Folião chegou…

No balouço também já se sentou,
No balouço também já se sentou,
No balouço montou a sua tenda,
Pôs a minha alma à venda
E a minha vida parada…

No balouço,
No balouço,
No balouço,
Onde a criança que (eu) não fui brincava…

Alegria!
Alegria!
Quem te ceifou?

Uma foice negra te cortou,
Uma foice negra te cortou,
Uma foice…

Ela veio no assombro trágico da Noite,
Ela veio no assombro trágico da Noite,
Surgiu e secou…



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!,



A vida é parada,
Tudo é pesado.
Ser é Sensação,
Um nada sonhado.

Tudo é pesado
Sendo tudo nada,
Viver de enfados
D’ alma estagnada.

Ser é Sensação
Teia de cuidados,
Suja imposição
Do meu negro Fado.

Um nada sonhado
Que me vem comendo,
Irei enterrado,
Mas não vou vivendo…



Porque há uma mudança pela estrada,
Porque há uma mudança pela estrada,
Porque a Esperança pereceu esventrada,
Porque a Esperança que me vem roendo…

Recordação que dói de ser criança!,
Morre na Alvorada
Vai desvanecendo…

Não há razão para vires doendo,
Não há razão porque eu não entendo,
Eu não entendo, não, não há razão:

Parte!, vai!, meu Inuendo!

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!

Recordação!

Pudesses tu desvanecer na dança
Da minha Solidão!

Se tu pudesses arrancar, partir!,
Num qualquer navio de podridão!…
Esquecendo-te talvez pudesse rir,
Rir-me da minha condição:

De ser NADA
NADA
NADA,

Ah! Ah! Ah! Ah!

Sou NADA
NADA
NADA,

Ah! Ah! Ah! Ah!
Sou…

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah, rir chorando, rir!,

O Folião chegou…

Trazendo a Opressão
Do Negro Fado,
Com a Morte e a Solidão
Mesmo a seu lado…

Sentou-se e reinou.

Lisboa 11/12/96 – Bruxelas, 05/07/04

II

A Morte e a Solidão,
Irmãs inseparáveis,
Levaram-me em caixão
Numa grande viagem.

Passei por caminhos
De pedra e de lama
E vi azevinhos
Lambidos por chamas.

Passei por cavernas
Morada de monstros,
Mostraram-me as pernas
E o puro desgosto;

Cruzei mil valados
E as covas mais fundas
E vi os enterrados
Saírem da tumba;

Levaram-me ao fundo
De toda a miséria
E ao seio imundo
Das coisas etéreas.

Vi o cabo do medo,
O abismo da fome
E provei o degredo
Do Anjo-Sem-Nome;

Tiraram-me os olhos,
Cortaram-me as mãos
E fizeram folhos
Do meu coração.
Queimaram-me a alma,
Cozeram-me os pés,
E o meu ser da calma
Foi p’las chaminés.

Despiram-me as roupas,
Tiraram-me a pele,
Dobraram-me os sonhos,
Bebi o seu fel,

E depois vieram
Com um fato de bobo,
Em mim o vestiram
E disseram: dança.

Desfeito, submisso,
Olhei o meu roubo,
E os meus ossos lisos
Dançaram na campa.

Lisboa, 20/01/01


III

Desconheço tudo:
Quem sou
Onde estou,
Porque me sinto tão rijo
No corpo
E nos sentidos.
Certezas? Só duas:
A Morte está perto
E a Solidão perdura.

Tenho o espírito mudo.
O sonho acabou,
O sono findou,
E na vigília permanente redijo
(Breve conforto,
Eterno castigo),
A minha confissão sofrida e crua:
O Eterno e Humano Desacerto,
O meu sublime Elogio da Loucura!


Lisboa, 03/02/01

IV

Há uma ânsia em mim que não me sai.
Há uma ânsia em mim…

Batentes!, Batentes!
Sejai clementes!

Soai o Fim,
Soai,
Soai o Fim…

Bruxelas, 05/07/04


[1] Nota do Autor: Versão alternativa: a) Leio nas Estrelas a Inutilidade; b) Leio nas Estrelas a Mediocridade.

No comments: