Friday, July 6, 2007

Poema (Homenagem a Miguel Torga)

Ouve,
Não tenhas medo,
É um poema;
Um misto de oração e de feitiço,
É o mais intenso dos mistérios,
Um dilema,
É cometer com as palavras adultério
E ter orgulho nisso.
É um perfume denso num harém distante,
Um compromisso
Com as frotas do Levante.
É uma vontade de viver constante,
É uma escrita aberta e natural.
Com as palavras abrimos corações;
Como a chave de portas encobertas,
Como a passagem secreta p’r’ó portal
Das nossas emoções.
É um cofre, um armário, uma gaveta,
Onde guardamos os sonhos pessoais;
É no que somos talvez um pouco mais,
E um pouco mais das nossas sensações.

Ouve,
Não tenhas medo,
É um poema,
Não fujas dele mas corre ao seu encontro,
É uma flor desabrochando,
Um teorema,
Que tu vais desvendar ponto por ponto.
Juro, é parte de ti, ser consciente,
E o lençol de todas as nascentes.

E ouve,
Não tenhas medo,
É um poema,
Espera por ele à noite na ruela,
Deixa-te embalar ao som do vento,
Faz dele emblema,
Põe-no na lapela,
Enquanto docemente passa o Tempo;
O Tempo que tu sentes mas não crês
Que possa, palpável, existir…

(Poder sonhar é também poder rir!,
Poder sonhar…)



Depois senta-te e ouve o que sussurra,
(Com voz doce, calma, prasenteira)
Quase inaudivelmente ao teu ouvido:

«Eu sou o mar das tuas noites escuras;
Quando subir ao céu a lua cheia,
Quererás tu partir comigo?».


Lisboa, 16/07/96

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