Monday, July 9, 2007

Delírio III

I

Meu nome é Joaquim Sem-Apelido.
Nasci num poço escuro: Portugal.
Um dia fiz a mala do Destino
E viajei por mares de terra e sal.
Então eu vi que o Mundo é indefinido,
Uma aldeia, simples e global.

II

Ficando inconformado com o que vi,
Confuso por me ver um aldeão,
Meti-me num saloon onde bebi
Até ficar prostrado sobre o chão.

III

Depois do que bebi na noite que passou
Não sei se durmo ou se isto é o real.
Mas este medo espesso que ficou
É a origem bíblica do mal.

Traços de giz numa folha branca
Que fica suja mas nada se lê:
Isso é a vida nos dias: uma mancha,
Como, nas toalhas, o café.

Um golo no cognac, n’águardente,
Um golo de saliva dado em sêco,
Um golo de raiva amordaçada.

Bebo p’ra esquecer que sou demente,
Qu’ o Mundo é, no Universo, um bêco
Com a importância e a dimensão do Nada…

IV

Então, três vezes me ofertei a morte
Estendendo para o espelho um grande lírio.
Três vezes recusei a minha sorte
Imerso que estava num delírio.

Três vezes me bateram ao postigo
Para indagar se tudo estava bem.
Três vezes respondi que «estar comigo
É o único bonheur que me convém!».

Três vezes escrevi o suicídio
Nas costas de uma folha amarrotada.
Três vezes premi esse gatilho
Do pistolão nervoso que é a mágoa.

Então, urrando, e um pouco entre suspiros,
Entre o soluço, a solidão e a frágua,
Por três vezes eu disparei três tiros:
Rompi, parece, uns quantos canos d’água…

V

Quando acordei o sol ia subido.
Não me sobrava, porém, o amor-próprio.
Sob a cama? Debaixo dos sentidos?
Busquei-o então nas ternas mãos do ópio…

VI

Ah!, que cheiro bom!
Sempre gostei do tabaco!
Pom! Pom! Pom! Pom!
Quão forte soa o meu coração fraco!

Pom! Pom! Pom! Pom!
Ta-ta-ta-ta!
Meu coração! Então, que se passou ?
Há festa, há?

Pom! Pom! Pom! Pom!
Tu-tu-tu-tu!
Kabom! Kabom! Kabom! Kabom!
Meu coração, então, és mesmo tu?

Fumar faz bem,
O Mundo põe-se a nu…

VII

Uma fanfarra desperta lá em baixo
O tumular silêncio destas ruas.
Chego à varanda para investigar:

Co’ a breca! Um homem de penacho!
E aquela gorda com rosto em meia-lua
Dançando qual Ceres num altar!

Isto é que é vida!
A aldeia, que vinha andando morta,
Rompeu da turbidez para um festim:

É uma chegada ou uma despedida.
Mas os locais vêm de porta em porta
Deixar convites em sopros de clarim!

«Juntem-se à nós amigos da Fortuna,
Venham beber do vinho, comer pão,
Provar as broas, o centeio, o mel!»

E segue a procissão como uma tuna,
Enquanto eu sigo na minha Solidão
Neste pequeno quarto de motel…

VIII

FON! FON!

Ah esta fanfarra, que som!!!!!!

POM! POM!

Ah esta fanfarra, que bom!!!!!!

BOM! BOM!

Ah esta fanfarra, que sou?!!!!!

VOM! VOM!

Esqueleto que festeja o que passou…

(…)

Passons.

IX!
Que som! O abominável é bom,
Por uns momentos…
Interrompo tudo o que fazia:
Agora faz sentido este cinzento,
Agora toda a noite se fez dia!

É neste instante que eu imagino o mar…
E uma praia aonde deixo em molho
As mágoas mais pungentes…

O ar
Parece puro.
Por isso sei que sonho…

Como poderia, pois, sem estar sonhando,
Compreender a sensação confusa
Que parece enfim tornar-se clara?

Tudo é incerto – O mar vai-se alterando.
E da maré, outrora inerte e muda,
Sai um dragão de fogo que me abrasa…

X

Foi o meu regresso à tábua rasa…

XI

Meu nome é Joaquim… Indefinido.
Nasci num vilarejo trivial..
Um dia fiz a mala, prevenido,
Pois queria conhecer o Universal.
Mas o que descobri não tem sentido:
Tudo é a minha aldeia, e me faz mal…

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