Monday, July 9, 2007

Delírio I

… E fiquei louco depois daquele dia
Em que uma luz entrou no meu abismo.
Era uma paz, então! E eu dormia…
Alguém me despertou com um grande sismo…

Uma mulher gritava em certo leito,
Um homem me batia impaciente…
«Que situação!», pensei, não tinha jeito!
A que planeta vim tão de repente?!

Veio depois alguém, trajando branco,
Que me pegou e disse: «Este é ruim!»
E despejou-me ali por sobre um banco…
Então eu fiquei rubro, mau, carmim,

Cresceu-me barba e pelo, e unhas, cascos,
Fiquei com grandes dentes, e com escamas;
E os olhos, vidrados como frascos,
Pareciam dois tremendos lança-chamas.

E foi então que enchi o peito de ar,
Puxei o tronco atrás, as mãos à frente,
E expirei, num sopro de espantar,
Um fogo luminoso, horrendo e quente!

Tudo acabou, ali, naquele instante,
Eu como estava e o que estava em mim;
Aquela multidão asfixiante,
E essa origem suja de onde vim.

Mas oh!, já era tarde, porque então,
Já eu era eu e vida, enfim!
É pois por plena e pura prevenção,
Que neste dia enorme eu voto «Sim»!1

Nota Política do Autor: "Este dia enorme" é o do segundo referendo nacional sobre a legalização do aborto em Portugal.

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