Monday, July 9, 2007

Delírio V - (Cinco Traços Gerais Com Que Me Minto...)

I

Tive um delírio estupendo
Que me deixou agastado:
Vi uma Hidra rompendo
Do meu peito estilhaçado.

Tinha umas cinco cabeças
Cinco caudas, cinco línguas,
Virou-m’a vida às avessas,
Deixou-me no nada, à míngua.

Os deuses que nada podem,
Nada têm, nada são,
Chamaram-lhes: Cinco Dolmens
Pela sua condição.

Os Homens que estão perdidos
Nada valem, nada têm
Chamam-lhes: Cinco Sentidos…
E só por eles se regem…
II

Como podem cinco dedos
Perdidos por pés e mãos,
Desvendar esses segredos
Que há na Civilização?

Como podem cinco braços
De percepção e de dor,
Desvendar todos os traços
Que há no rosto do Amor?

Como podem cinco pontos
Cardeais das sensações
Tornar servis esses monstros
Que nos servem de emoções?

Como podem cinco pólos
De atracção e de ruído
Desenrolar esses rolos
Que são os Cinco Sentidos?

III

Seguindo cinco Destinos,
Erro na bruma e no bréu,
Carregando cinco espinhos
Que um Anjo Negro me deu.

Ao bater de cinco sinos
Em cinco mosteiros densos
Saem de cinco caminhos
Cinco demónios cinzentos:

Cinco seres agrilhoados
Em cinco caves de medo,
Nas cinco prisões do Fado
De cinco Reinos de Cedro.

São cinco espectros pisados
Por cinco longos degredos,
Por cinco vidas os escravos
De Cinco Sentidos Negros...

Os cinco, de braço dado,
Rompem direitos a mim,
Erguendo cinco cajados,
Com já, dos dias, o Fim…

Por cinco vezes giraram
Em redor de cinco luas;
Das cinco me vomitaram
As suas carcaças nuas.

Depois de cinco rodadas,
De cinco gritos de horror,
Desventraram cinco espadas
Dos coldres do desamor.

Com todas cinco eriçadas
Até ao termo do espaço
Deram cinco gargalhadas
E cinco urros devassos.

Fiquei assim cinco vidas
Assistindo ao ritual:
Cinco brutais investidas
À minha alma mortal.

Depois de cinco tormentos,
Cinco penas, cinco assombros,
Vi cinco punhais cinzentos
Entrarem-me até aos escombros:

Os escombros de cinco sonhos
Que tive o arrojo de ter,
De cinco céus enfadonhos
Fadados p’ra me perder.

Os escombros de cinco muros
De esperanças por cumprir,
De cinco Édens Futuros
Que só ficaram por vir.

Fiquei-me então cinco dias
Deitado no chão queimado,
À espera dos cinco guias
Dos cinco portões dourados

Que fecham as cinco entradas
Dos cinco palácios claros
Onde dormem sossegadas
As cinco filhas do Fado.

Mas cinco dias passaram
Sem que passassem por mim.
Pele e boca me secaram,
Sequei-me no pó ruim.

Mais cinco vidas soaram
Como sinos de um convento,
Mais cinco vidas secaram
Os meus ossos pardacentos.

Cinco vidas que murcharam
Como uma rosa ou um lírio.
Cinco vidas que acabaram
Por não ser mais que um delírio:

Foi como um sonho que tive,
Talvez que tive sem ter –
Que o que se tem só se vive
Depois de nisso se crer –

Porque eu não tenho nem sonho
Pois qualquer Fé me é estranha,
Ponho nos dias medonhos
Duas mãos cheias de manha:

Digo da vida que é nada
Sabendo que estou aqui,
Acuso-a de ser parada
Depois que já me movi.

E ela, suavemente,
Sem me falar nem me ver,
Passa por mim insolente,
Deixando-me acontecer.

E ela, suavemente,
Sem me forçar ao que sou,
Deixa-me ter, inocente,
Os frutos que me deixou.

São restos do que escolhi,
Minhas feições inconstantes,
Das frases com que escrevi
Os dias mirabolantes.

São restos, apenas sobras,
De cinco partes de mim,
Origem das minhas obras,
Dos troços por donde vim.

São restos… Traços esquecidos
Que rabisquei pela vida…
Esboços de planos perdidos
Ao longo dessa Avenida…

São restos… linhas esfumadas
No fumo dos alaridos…
Além de cinco jornadas,
Aquém dos Cinco Sentidos…

IV

Nós os Homens-Deuses possuídos,
Reis dos Reinos de Aquém e Além nós,
Julgamo-nos Senhores, Seres Escolhidos,
Escolhendo ignorar que somos pó.

Nós os Bichos para sempre sós,
Os Brutos a Lordes promovidos,
Julgamos dominar de beta a ró
Mas não domamos sequer Cinco Sentidos…

V

Somos vazios por mais que nos sintamos.
Somos cansados por mais que nos sentemos.
Nós somos escravos, nunca somos amos:
E apenas nós a nós mesmos perdemos.

Somos cansados, por mais que não corramos,
Somos vazios, até se nos enchemos;
Este poço foi feito pelos anos...
Se não bebemos, que então nos afoguemos...

Que depois nos façam cinco enterros…

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