Sou um pobre bandido
[1] Nota do Autor: Versão alternativa - Procurando o Céu.
Sem eira nem beira
Não tenho um sentido
Não tenho um sentido
Nem talvez o queira;
Vagueio no escuro,
Preparo armadilhas,
Disseco o futuro
Numas cigarrilhas;
No vazio das ruas
Procuro emoções,
Mas nem com gazuas
Abro os seus portões;
Vejo atrás dos muros,
Por dentro dos bêcos:
Apenas uns duros
Roubando uns pategos.
Busquei sob as pedras,
Sobre os candeeiros,
Junto às torres vedras
Lá de um pardieiro;
Perfurei as estradas,
Escavaquei passeios,
E só vi ossadas
De uns esqueletos feios;
Sem querer desistir
Investi mais fundo:
Não tenho Porvir,
Que me importa o Mundo?
Eu quero um abismo
Que seja só meu:
Será comodismo
Rejeitar o Céu?
Insiste! Persiste!
Prossegue! Porfia!
O ser que desiste
É besta sandia!
E num esforço insano
Cavei mais p'ra dentro,
Para além do humano,
P'r' além do tormento;
Até que por fim
Achei um vulcão
Que explodiu, enfim,
Numa exaltação;
A lava descia
Pela sua encosta
E eu nem me movia
Com a visão imposta;
«Que medo, que assombro!»
Pensei estarrecido,
Tremeram-me os ombros,
Perdi os sentidos;
Quando vim a mim
Já tinha morrido,
Lamentei o fim,
Chorei incontido;
Mas não cesso a busca,
Não esqueço a missão:´
O cansaço ofusca,
A vontade não;
Anseio, pesquiso,
Revolvo essa lava,
Mantém-se impreciso
O que antes buscava;
Penetro as entranhas
Do Monstro hediondo:
Fornalhas tamanhas
Com tamanho estrondo!
Que horror, que suplício!
O Inferno é isto?
«Caramba! Que vício!
Pareces o Cristo!
Porque dizes mal
Do que desconheces?
Isso é afinal
O cancro das preces:
Isto é violento,
É certo, mas belo.
Mas cá me apresento:
Mas cá me apresento:
Satanás Campello.
Nasci mais além,
Mas habito aqui.
Dispensei o Bem
Porque não o vi.
Procuro um amigo,
Não sei se ele és tu.
Há anos que o sigo
No sonho mais cru:
Um homem alegre
Que aprecie a arte,
Com quem não me enerve,
De quem não me farte.
Que goste de um copo,
De jazz, de xadrez,
Que ame o barrôco,
E um whisky maltês;
Que evite contendas
Sobre o Universo,
Mas que ame e entenda
O esplendôr do verso:
Esse homem perfeito,
És tu, ò bandido?
Que peso no peito!
Que aperto sofrido!
Enfim, esquece tudo,
Estou talvez tocado...»
Enfim, fiquei mudo
E um pouco pasmado:
Que milagre é este
De encontrar o Mito?
O ícon da peste,
O Anjo Maldito?
Mas será possível
Que essa coisa horrenda
Tenha causa cível,
Prelecções de emenda?
«O senhor, - expliquei,
Meio encavacado, -
Está grosso, não sei,
Ou está enganado;
Não tenho o perfil
Daquilo que quer:
Ou estará senil
Ou será mulher!»
«Senil eu não sou!
Mulher também não!»
«Então abusou
Do seu garrafão;
Isto não está certo,
Nem sequer me agrada.
P'r'a estar neste aperto,
Volto a pôr-me à estrada;
Por onde se sai
Deste pocilgão?
Este vai não vai
É uma irritação!
Mas que labirinto!
Mas que porcaria!
Não sei o que sinto,
Mas tenho uma azia!»
Já vi, tristemente,
Que Céu e Inferno,
São, basicamente,
O mesmo antro enfermo;
O melhor, enfim,
Será vaguear,
Mandriar, assim,
Sem nada que achar:
É bom ser bandido,
Roubar a quem tem,
Seguir destemido,
Sem temer ninguém;
Fumar cigarrilhas,
Vaguear no escuro,
Tecer armadilhas
Ao próprio Futuro!
Já corri o Mundo,
Já vivi nas Estrelas,
É tudo infecundo,
Paisagem p'r'a telas;
Já estive com Deus,
Não sabe o que quer,
Já comi pitéus,
Provei o prazer;
E já fui ao Inferno,
Já vi Belzebu:
Escaldava o estafermo!,
Tratei-o por tu;
Bebemos um pouco,
Falámos de nós,
E vi que era um louco
Sentindo-se só;
Depois do que vi,
Depois do que achei,
Pensei que vivi,
Pensei que pensei;
Mas se penso e sou
São outras ideias
Que o tolo esgotou
Ardendo candeias;
Porquê pensar nisso
Se basta passar,
Sem ter compromisso,
Sem ter de parar?
Assim continuo
Bandido e ladrão
Rumo ao fim de tudo
Lá na Imensidão;
Cavalgo sem tréguas
O meu alazão,
Vou papando léguas,
Toando a canção:
Sou um pobre bandido
Sem eira nem beira
Não tenho um sentido
Nem talvez o queira;
Vagueio no escuro,
Preparo armadilhas,
Disseco o futuro
Numas cigarrilhas;
No vazio das ruas
Procuro emoções,
Vou de lua em lua
Atrás de ilusões:
Como esta de agora
De estar mesmo aqui:
Como vivo a hora
Se outrora eu morri?
E tu meu leitor,
Não serás como eu?
Um espectro de dor
Procurando o seu?[1]
Não busques, que é vão,
Vadia comigo!
Ao som da canção,
Do eterno bandido...
Lisboa, 12/03/2006
[1] Nota do Autor: Versão alternativa - Procurando o Céu.
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