Thursday, July 5, 2007

De um Retrato

Deixei-me absorver no teu retrato –
Que linhas!, Que feições! Tamanho porte!
E de joelhos, com submisso aparato,
Qual provençal jogral faço-te a côrte.

Poemas, Endechas, cantilenas,
Sofridos gemidos interiores,
Mortes de amor, desmaios, grandes penas,
Celebrados em versos superiores!

«Princesa – diziam – És o meu tormento.
Sucumbo. Padeço. É uma agonia.
Aqui, nos rins, sinto um golpe imenso;
Alí, nas veias, uma apoplexia.

Dá-me um auspício , não sejas tão fria,
Tão régia, tão deíca, amuada!
És o meu terço por onde, a cada dia,
Rezo às Forças Maléficas do Nada.

Alva mulher, do marfim mais puro,
Puro demónio que Deus renegara,
Teu brilho mítico ilumina o escuro,
Teu olhar esfingíco turva as manhãs claras!

Flor rara da maior montanha
Que resiste à neve e ao temporal,
A tua graça lírica é tamanha!
O teu perfil tão fenomenal!

Fídias em vão ostenta os seus trabalhos
Às gentes ocupadas deste Mundo –
Se vissem teu retrato, sem detalhes,
Mesmo na distância, num segundo,

Logo faziam de ti o seu modelo
De Beleza Ideal e de postura:
O passo leve, o arranjo dos cabelos,
Tudo em ti redifine a formusura!

Sim, figura da tela, tu és tremenda!
És fogo brotando nas candeias,
Ninfa coberta da mais fina renda,
Grossa contusão nas minhas veias!

Sim, és bela, Deusa fabulosa!,
Fustigas, cegas, perdes homens bons
Com a tua doce voz melodiosa,
A harmonia incrível do teu tom!

Ninguém o nega (Oh!, Quem poderia!)
Ninguém sequer resiste aos teus encantos!
Em ti as minhas faltas já se espiam,
E tu és o motivo dos meus prantos:

Fruto somente, semente que nasce
Da farta terra p’r’ áscender aos céus,
Tirana!, fazes com que o Sol se agache,
E trema como Macbeth tremeu

Quando veio p’ra si toda a Floresta
Levá-lo para o Reino dos Defuntos –
Porque é a tua graça tão funesta
E são tuas carícias um conjunto

De dores e desgostos e torturas?!
Ah!, minha ilusão, esfinge encoberta,
Senhora de tão clássica figura,
Górgone, Dríade ou Clitemenestra,

Ganha compaixão dos meus gemidos!
Não me deixes a definhar assim!
Mata-me num lance destemido
Ou sai desse retrato empedernido
E vem, qual cera, derreteres-te em mim!»

Lisboa, 15/04/93 – 10/12/00

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