I
Vestido azul do mar, mala ancorada,
Dona-de-Lá prossegue o seu caminho;
Da sua boca, numa expressão vaga,
Explode um murmurio, entre o uivar marinho:
– «Ai, a saudade que há na Alvorada!
Praias do Algarve, montes que há no Minho!,
Onde deixei amores por quem definho,
Além da bruma que me está vedada![1]
Onde a saúde? Onde os meus amores?
Onde as horas, risos que perdi?
Aqui no cais, dispõem-se os horrores,
Enquanto partem sonhos que esqueci.
Ah, o peso de tudo em que eu medito!
Oh, Tanta é a exaltação! Tanta a repulsa!
Ahhhhh, o horror! O horror! O horror! » – (Um grito)… –
«Regressa Amor!» – E chorou convulsa…
II
… – «O pessoal de lá sente-se só!;
Mas nós por cá também!!» –
Gemeu uma pobre quarentona,
Despedindo-se,
Do cimo do seu ferry que atravessa o Tejo.
§
Rasgando o forte vento a 12 nós,
O barquito avança,
Enquanto uma mão-cheia de lenços
Vai acenando um adeus l e n t o,
Cho ro so,
De pri men teeeee…
…
(Gesto pesado em que me revejo…)
§
«Adeus!,
Adeus!,
Escreve-me!,
Não esqueças!
Manda notícias antes que eu pereça!
Manda notícias antes qu’eu…»
…
(E pereceu…).
III
…No banco ao meu lado
Alguém solta um bocejo…
«Mas que diabo?!
Que é este alarido?!»
É um velho em farrapos,
Um mendigo,
Que, parece, há já umas semanas,
Tem vivido aqui neste lugar…
Sem ter qualquer dever em que pensar,
Vai cravando os olhos nos traseuntes
À espera do cigarro.
Nunca pediu dinheiro;
Nunca aceitou que comer;
É um filósofo nato:
Para ele a vida é como um escarro,
Excedente de um breve ser de barro,
Que se espezinha depois para o esconder...
Braga, 29/07/96
[1] Nota do Autor: O Passado…
Monday, July 9, 2007
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