Friday, June 1, 2007

Ad Te

Ad Te Hunc Pulchrum Munem Doneo,
Ab imo corde atque in pleno somno.

I

Porque tu és especial
E estás acima do Fundo,
Deste cliché literário
Eu faço um hino brutal
E dou-te as barbas do Mundo.

(Enrola-as ao teu pescoço
E faz um nó bem seguro.)

Porque é o céu grande e vário
Como tu és eloquente
E eu sou fraco de ideias
Dou-te este bom relicário
De um fio de linho excelente.

(Faz dele um laço bem grosso
E ata-o àquele muro).

Para que sintas nas veias
O fogo que me consome,
Põe as mãos neste batente:
Rurumba[1] como uma cheia
Tortura como uma fome.

(Se antes soubera o troço
Não estava neste figuro).

Para que tenhas em mente
A ferida que me deixaste
Quando passaste por mim,
Segura neste repente
Nestes grilhões, nesta haste

(Vindos do fundo de um poço
Onde nem o ar é puro)

Que agora te ofereço. Assim,
Virás comigo, Princesa
Dos Reinos da Altivez,
Ver o Abismo do Fim,
O Fosso da Realeza!

(É o outro Inferno um Colosso
Mas este aqui é mais duro);

E entre tão mala rês,
Perdida no seu castelo,
Te deixarei com a afoiteza
Com que antes com lindos pés
Calcaste em mim teus chinelos.

(Quando era menino e moço
Não era o dia tão escuro!)

Passeia pois com leveza
A renda dos teus vestidos,
O brilho dos teus cabelos,
Enquanto podes: Beleza
Sem alma vive no perigo –

(E é o desgosto que eu ouço,
Por ele me transfiguro!).

Sonha fogosa, Princesa
Dos Reinos Empedernidos:
Aguardam-te o Pesadelo,
A Agonia e a Tristeza,
Deuses que trago comigo…

(Esta dor em que me roço
Estará viva no Futuro?)

Lisboa, 03/07/94

II

II.A II.B

(O amor é pouco lasso (O amor é como um laço
E comprime o condoído; Que sufoca o oprimido;
Esta vingança que traço Neste mortífero abraço
Será consolo ou jazigo?) Serei herói ou vencido?)

Bruxelas, 18/07/04

III

Acendemos paixões no rastilho do próprio coração.
O que amamos é sempre chuva,
Entre o voo da nuvem e a prisão do charco.
Afinal,
Somos caçadores que a si mesmo se azagaiam.
No arremesso certeiro
Vai sempre um pouco de quem dispara…
[2]



De mim partiu esse tiro que te deixou o peito em estilhaços;
Não peço perdão.

A pólvora que libertou o chumbo encarcerou-se-me dentro
E rói-me as entranhas.

Se o meu coração regressasse ao ponto da sua origem,
À ignorância do ódio,

Aprenderia a viver com o desgosto que se esconde nas coisas
E seria feliz.

Ao meu rosto será sempre negado o reflexo nas águas
Porque a Paz se perdeu.

Por certo eu mudei, ou mudou este lago que o Tempo estagnou,
Porque esse espelho

(Onde Narciso morreu cheio de amores por si próprio)
Mostra apenas vulto.

Bruxelas, 18/07/04

V

Timeo danaos et dona ferentes!


Não me dês mais do que o teu amor próprio.
Nesse eu confio…

Bruxelas, 18/07/04

VI

Para ti, monstro dos meus sonhos,
Este livro de mágoas.
Que estes cânticos negros e medonhos
Te cubram de chagas!

Bruxelas, 18/07/04

[1] Advertência: Rurumba – suposta 3ª pessoa do presente do Indicativo (Voz Activa) do verbo Rurumbar, neologismo onomatopeico.

[2] Mia Couto, in Cada Homem é uma Raça, em epígrafe a Rosa Caramela.

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