I
… E há-de vir o Cristo
Para o Julgamento
É aquilo ou isto
O que eu sou por dentro?
Vejo um monstro negro
Vejo um anjo branco;
Será um bruxedo
Ou apenas espanto?
Anjos e demónios
E uma assembleia.
O público espera
Alguém da plateia.
Quem falta chegar
Dessa gente ilustre?
O Papa está cá:
Mas era um embuste…
Ninguém da Igreja
A falar p’lo povo?!
Pode ser que eu veja
Um cardeal novo!
Mas ah! Eis que estão
Os bispos e os padres!
Mas oh! Um grilhão
Os prende a uma trave?!
Pobre gente nobre
Que se vê cativa!
Depois dos trabalhos
Que lhes deu a vida!
Todos os mortais
Estão aqui presentes –
Mas dos imortais
Há alguém ausente!
Oh! Supremo Engano!
Ò Deus Criador!
Faltarás neste ano
À festa maior?
Este é o Carnaval
Porque tu esperavas!
É este o arraial
Que tanto ansiavas!
Veste então o fato
De Rei dos truões
E junta-te a nós
Nas Celebrações!
É como, o teu jogo,
Da Justiça Eterna?
– «Este para a suite
Esse p’r’á cisterna!? –
Tu verás o sol,
Tu o calabouço;
Tu saltas à corda,
Tu tem-la ao pescoço;
P’ra ti o calor
D’álegria imensa,
Para ti a dor
De uma chama intensa;
Tu serás feliz
Porque estás comigo;
Tu serás um rico,
E tu um mendigo.
Para ti fartura,
Para ti a fome,
P’ra ti a amargura
De ouvires o meu nome».
Mais eis que me surge
Uma mão por tráz:
«És tu, ò barbudo!
Pois então por cá?!»
«Pois não perderia
Tamanha festança!
Já não dormiria
Com tamanha errança!
Queres então saber
Das coisas que faço?
E o que vem a ser
O plano que traço?
E como tómo eu
Estas decisões?
Ora, é segredo,
São as convenções…
Assunto de Estado –
Não vou revelar…
Mas vá, tu insistes,
Sou bom, vou contar:
Eu tenho aqui dados
Dentro do meu bolso
A que dou valores
P’ra este e p’ró outro;
Consoante calha
Traço o seu destino –
E se algo falha?
Foi um deus Maligno!
P’ra isso o Demónio
Dá bastante jeito –
Era um pandemónio
Sem esse sujeito!
Por vezes altero
Este meu sistema
Se acaso me surge,
Assim, uma piquena,
Com pernita cheia
E bem torneada,
Ou um jovem loiro
De tez bronzeada…
Que posso eu fazer?!
São as tentações!
E em casos destes
Há negociações
Com o meu colega
Do andar de baixo:
Também ele os pega!
É um berbicaxo!
‘Inda pode haver
Outra circunstância
Em que uns certos herren
Com muita jactância
Nos fazem propostas
Tão irresistíveis
Que os deixamos ir
P’ra onde pedirem:
Oferecem-nos vinho,
Licores, iguarias:
Um ou dois meninos,
E fotografias…
Por vezes nós vamos
Para as Tulherias,
Onde já formámos
Uma Confraria;
É o Paraíso
Como podes ver;
Se tiveres tal passe
Podes lá viver!
Mas no fundo o Inferno
Não é tão diferente:
Só faz mais calor
E tem lá mais gente;
E há menos luz –
Mas lá te habituas…
E também seduz:
Belas jovens nuas,
Altivos mangalhos,
Soberbas orgias…
Não só de trabalho
Se fazem os dias!»
«E até quando a Vida
Na tua Injustiça?
Até quando escravos
Da tua preguiça?»
«Até querer o Homem
Na sua aflição,
Pois apenas vivo
Na Imaginação».
Bruxelas, 30/05/04
II
E há-de vir o Cristo
Com uma balança
Pesar as obras,
Medir os Homens;
Essa Hora é um misto
De desesperança
Que se alastra noutras
Que depressa somem…
Bruxelas, 30/05/04
III
«Julgar os Homens!,
Abrir os Tribunais!,
Deixar entrar a Nave dos Dementes!»
§
«…Eu te condeno e aos mosntros que te comem
A cultivar a dor nestes quintais
Que hão-de produzir eternamente…»
Bruxelas, 30/05/04
IV
Depois dos Tribunais
É o medo
E o grito
Da revolta.
Depois dos Tribunais
Vem a angústia
De assistir à verdade assassinada.
Depois dos Tribunais
Volta o choro de lágrimas e sangue
Rotina de uma infância violada.
Depois dos Tribunais
Vem a cegueira
De ter visto a deturpação dos factos
Constante
Repetida
Perdoada.
Depois dos Tribunais
Vem o carrasco
Do Homem
E da balança viciada.
Depois dos Tribunais
Somos nós
Sem sermos
Porque nos tiraram tudo
E o sono
E a esperança
E a pele espancada
E os sinais.
Depois dos Tribunais
É a vingança
Afiada no gume dos punhais.
Depois dos Tribunais
É a lembrança
Asfixiada para nunca mais!
Lisboa, 05-06-98
Oh!. Quem tanto pudera, que fartasse
Este meu duro génio de vinganças!
Lisboa, algures no séc. XVI, Luís Vaz de Camões
V
Arder!,
Arder!,
Que há já tardança!
Bruxelas, 30/05/04
Sunday, June 24, 2007
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