Sunday, June 24, 2007

Do Juízo Final

I

… E há-de vir o Cristo
Para o Julgamento
É aquilo ou isto
O que eu sou por dentro?

Vejo um monstro negro
Vejo um anjo branco;
Será um bruxedo
Ou apenas espanto?

Anjos e demónios
E uma assembleia.
O público espera
Alguém da plateia.

Quem falta chegar
Dessa gente ilustre?
O Papa está cá:
Mas era um embuste…

Ninguém da Igreja
A falar p’lo povo?!
Pode ser que eu veja
Um cardeal novo!

Mas ah! Eis que estão
Os bispos e os padres!
Mas oh! Um grilhão
Os prende a uma trave?!

Pobre gente nobre
Que se vê cativa!
Depois dos trabalhos
Que lhes deu a vida!

Todos os mortais
Estão aqui presentes –
Mas dos imortais
Há alguém ausente!

Oh! Supremo Engano!
Ò Deus Criador!
Faltarás neste ano
À festa maior?

Este é o Carnaval
Porque tu esperavas!
É este o arraial
Que tanto ansiavas!

Veste então o fato
De Rei dos truões
E junta-te a nós
Nas Celebrações!

É como, o teu jogo,
Da Justiça Eterna?
– «Este para a suite
Esse p’r’á cisterna!? –

Tu verás o sol,
Tu o calabouço;
Tu saltas à corda,
Tu tem-la ao pescoço;

P’ra ti o calor
D’álegria imensa,
Para ti a dor
De uma chama intensa;

Tu serás feliz
Porque estás comigo;
Tu serás um rico,
E tu um mendigo.

Para ti fartura,
Para ti a fome,
P’ra ti a amargura
De ouvires o meu nome».

Mais eis que me surge
Uma mão por tráz:
«És tu, ò barbudo!
Pois então por cá?!»

«Pois não perderia
Tamanha festança!
Já não dormiria
Com tamanha errança!

Queres então saber
Das coisas que faço?
E o que vem a ser
O plano que traço?

E como tómo eu
Estas decisões?
Ora, é segredo,
São as convenções…

Assunto de Estado –
Não vou revelar…
Mas vá, tu insistes,
Sou bom, vou contar:

Eu tenho aqui dados
Dentro do meu bolso
A que dou valores
P’ra este e p’ró outro;

Consoante calha
Traço o seu destino –
E se algo falha?
Foi um deus Maligno!

P’ra isso o Demónio
Dá bastante jeito –
Era um pandemónio
Sem esse sujeito!

Por vezes altero
Este meu sistema
Se acaso me surge,
Assim, uma piquena,

Com pernita cheia
E bem torneada,
Ou um jovem loiro
De tez bronzeada…

Que posso eu fazer?!
São as tentações!
E em casos destes
Há negociações

Com o meu colega
Do andar de baixo:
Também ele os pega!
É um berbicaxo!

‘Inda pode haver
Outra circunstância
Em que uns certos herren
Com muita jactância

Nos fazem propostas
Tão irresistíveis
Que os deixamos ir
P’ra onde pedirem:

Oferecem-nos vinho,
Licores, iguarias:
Um ou dois meninos,
E fotografias…

Por vezes nós vamos
Para as Tulherias,
Onde já formámos
Uma Confraria;

É o Paraíso
Como podes ver;
Se tiveres tal passe
Podes lá viver!

Mas no fundo o Inferno
Não é tão diferente:
Só faz mais calor
E tem lá mais gente;

E há menos luz –
Mas lá te habituas…
E também seduz:
Belas jovens nuas,

Altivos mangalhos,
Soberbas orgias…
Não só de trabalho
Se fazem os dias!»

«E até quando a Vida
Na tua Injustiça?
Até quando escravos
Da tua preguiça?»

«Até querer o Homem
Na sua aflição,
Pois apenas vivo
Na Imaginação».

Bruxelas, 30/05/04

II

E há-de vir o Cristo
Com uma balança
Pesar as obras,
Medir os Homens;
Essa Hora é um misto
De desesperança
Que se alastra noutras
Que depressa somem…

Bruxelas, 30/05/04

III

«Julgar os Homens!,
Abrir os Tribunais!,
Deixar entrar a Nave dos Dementes!»

§

«…Eu te condeno e aos mosntros que te comem
A cultivar a dor nestes quintais
Que hão-de produzir eternamente…»

Bruxelas, 30/05/04

IV

Depois dos Tribunais
É o medo
E o grito
Da revolta.

Depois dos Tribunais
Vem a angústia
De assistir à verdade assassinada.

Depois dos Tribunais
Volta o choro de lágrimas e sangue
Rotina de uma infância violada.

Depois dos Tribunais
Vem a cegueira
De ter visto a deturpação dos factos
Constante
Repetida
Perdoada.

Depois dos Tribunais
Vem o carrasco
Do Homem
E da balança viciada.

Depois dos Tribunais
Somos nós
Sem sermos
Porque nos tiraram tudo
E o sono
E a esperança
E a pele espancada
E os sinais.

Depois dos Tribunais
É a vingança
Afiada no gume dos punhais.

Depois dos Tribunais
É a lembrança
Asfixiada para nunca mais!

Lisboa, 05-06-98

Oh!. Quem tanto pudera, que fartasse
Este meu duro génio de vinganças!

Lisboa, algures no séc. XVI, Luís Vaz de Camões

V

Arder!,
Arder!,
Que há já tardança!
Bruxelas, 30/05/04

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