I
Saudade
É o que sentem os leões esfomeados,
Quando acabaram o último naco de carne
E só lhes restam os ossos,
Mordidos, exangues, sem côr.
Saudade
É o que vem ao Mundo
Dos sentidos,
Quando tudo parte e o que sobra
É pouco mais
Do que a dor.
Saudade
É o céu e as nuvens quando chega
O Inverno dentro de nós,
Quando morre
O brilho da Lua.
Saudade,
(Mulher da minha emoção involuntária,
Visão intangível da minha alma nua!),
És tu:
Esta impressão de ausência que experimento,
Quando
(Na distância do espaço que contemplo)
Olho olhos nos olhos nos teus olhos e
Vejo
Sem ver
(Na memória que tenho de te ter)
Que eles estão longe demais,
P’ra pousar neles os meus...
Lisboa, 17/05/94
II[1]
Mulher ausente, sinto a tua falta.
Espero-te ainda, sabendo-te impossível.
A Lua é a minha angústia: Vai tão alta!
Que saudades dá o Inatingível!
Se tu pudesses entrar pelo meu peito,
Sentires-te a vida p’lo meu coração,
Talvez ganhasses também este meu jeito,
De ter saudades de tudo à exaustão:
Saudades de um Amor adormecido,
Saudades de uma Infância imaginada,
Ou talvez daquele Sonho inconcluído...
Era um Idílio, era uma Alvorada;
Era o princípio do Mundo, repetido...
«I miss you, Sensação! - Volta do Nada!»...
Lisboa, 21/06/03
III
A minha emoção é um grande Oceano
Rasgado continuamente por barcos a motor.
Nas ondas (que são a minha alma)
Os barcos, ao passar, derramam óleo,
Deixando,
Atrás de si,
Uma mancha negra de enorme desolação...
A minha emoção é um grande Oceano
Por onde viajaste,
Tu, o enorme,
O moderno,
O implacável barco a motor.
Passaste pelas ondas do meu peito,
Derramaste o teu óleo,
E partiste de novo,
Sem considerações, hesitações ou remorsos,
Deixando, atrás de ti,
A tristeza inexprimível de uma mancha negra
(No meu coração...)
A minha emoção é um grande Oceano
Que receia a passagem dos barcos;
Que receia, mas que deseja,
Contrariamente ao seu medo,
O barco fabuloso da sua destruição implacável
Cruzando impetuoso e insensível a transparência da sua precariedade;
E, ah!, com que saudade!...
Lisboa, 21/06/03
IV
O Discípulo: O que é Saudade para além de sensação?
Comiseração? Ansiedade?
O Mestre: Auto-destruição.
Bruxelas, 26-04-04
V
O Saudosista: Ah!, Portugal, país à beira-mar!
Porque te estás a afundar?!
(E o som dos Mortos: É levantar!, levantar!)
O Inquirido: Porque não ages palhaço,
Porque só sabes cismar...
Descobertas, Ultramar, mitos de um outro espaço...
E pensar, e trabalhar?
O Saudosista: Ah, Portugal, país à beira-mar!
Porque vais deixar de ser?!
(E o som dos Mortos: É erguer!, é erguer!)
O Inquirido: Porque num dia de bruma
Vi a Saudade nascer.
O Saudosita: Ah, Portugal, país à beira-mar!
Porque vais morrer nas águas?
(Os parvos gritam:Ò minha Santa de Pádua!)
O Inquirido: Porque Deus criou um dia o Português
E isso deu-me mágoa...
Bruxelas, 25/04/04
[1] Ou Um Soneto da Ausência
Friday, June 1, 2007
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