Friday, June 1, 2007

Para Uma Definição De Um Sentimento Abstracto

I

Saudade
É o que sentem os leões esfomeados,
Quando acabaram o último naco de carne
E só lhes restam os ossos,
Mordidos, exangues, sem côr.

Saudade
É o que vem ao Mundo
Dos sentidos,
Quando tudo parte e o que sobra
É pouco mais
Do que a dor.

Saudade
É o céu e as nuvens quando chega
O Inverno dentro de nós,
Quando morre
O brilho da Lua.

Saudade,
(Mulher da minha emoção involuntária,
Visão intangível da minha alma nua!),
És tu:

Esta impressão de ausência que experimento,
Quando
(Na distância do espaço que contemplo)
Olho olhos nos olhos nos teus olhos e
Vejo
Sem ver
(Na memória que tenho de te ter)
Que eles estão longe demais,
P’ra pousar neles os meus...

Lisboa, 17/05/94

II[1]

Mulher ausente, sinto a tua falta.
Espero-te ainda, sabendo-te impossível.
A Lua é a minha angústia: Vai tão alta!
Que saudades dá o Inatingível!

Se tu pudesses entrar pelo meu peito,
Sentires-te a vida p’lo meu coração,
Talvez ganhasses também este meu jeito,
De ter saudades de tudo à exaustão:

Saudades de um Amor adormecido,
Saudades de uma Infância imaginada,
Ou talvez daquele Sonho inconcluído...

Era um Idílio, era uma Alvorada;
Era o princípio do Mundo, repetido...
«I miss you, Sensação! - Volta do Nada!»...

Lisboa, 21/06/03

III

A minha emoção é um grande Oceano
Rasgado continuamente por barcos a motor.
Nas ondas (que são a minha alma)
Os barcos, ao passar, derramam óleo,
Deixando,
Atrás de si,
Uma mancha negra de enorme desolação...

A minha emoção é um grande Oceano
Por onde viajaste,
Tu, o enorme,
O moderno,
O implacável barco a motor.
Passaste pelas ondas do meu peito,
Derramaste o teu óleo,
E partiste de novo,
Sem considerações, hesitações ou remorsos,
Deixando, atrás de ti,
A tristeza inexprimível de uma mancha negra
(No meu coração...)

A minha emoção é um grande Oceano
Que receia a passagem dos barcos;
Que receia, mas que deseja,
Contrariamente ao seu medo,
O barco fabuloso da sua destruição implacável
Cruzando impetuoso e insensível a transparência da sua precariedade;

E, ah!, com que saudade!...

Lisboa, 21/06/03


IV

O Discípulo: O que é Saudade para além de sensação?
Comiseração? Ansiedade?

O Mestre: Auto-destruição.

Bruxelas, 26-04-04

V

O Saudosista: Ah!, Portugal, país à beira-mar!
Porque te estás a afundar?!

(E o som dos Mortos: É levantar!, levantar!)

O Inquirido: Porque não ages palhaço,
Porque só sabes cismar...
Descobertas, Ultramar, mitos de um outro espaço...
E pensar, e trabalhar?

O Saudosista: Ah, Portugal, país à beira-mar!
Porque vais deixar de ser?!

(E o som dos Mortos: É erguer!, é erguer!)

O Inquirido: Porque num dia de bruma
Vi a Saudade nascer.

O Saudosita: Ah, Portugal, país à beira-mar!
Porque vais morrer nas águas?

(Os parvos gritam:Ò minha Santa de Pádua!)

O Inquirido: Porque Deus criou um dia o Português
E isso deu-me mágoa...

Bruxelas, 25/04/04

[1] Ou Um Soneto da Ausência

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