Wednesday, June 6, 2007

Nas Bocas do Mundo

I

Disseram que havia morte,
Aí, onde moravas.
Disseram que passara um vulto pelas ruas
E que voara, depressa, sobre as casas,
Uma bruxa horrenda que devorara a lua.

Disseram ver o céu a transcender-se
E a pousar à noite nos quintais –
Era o Anjo de Deus a arrepender-se
De invejar a sorte dos mortais.

Disseram que o Olimpo rejeitara
As três irmãs, escravas do Destino,
Condenadas à pena do tear;
E elas, coitadas,[1] lá se resignavam
A estar num canto, com o seu ar franzino,
Mudas, imóveis, a fiar,
Esperando que rompesse o que fiavam.

Disseram que choravas junto ao cais
Com soluços de abalar o Mundo.
Não chores, amor, não chores mais:
Se puseres no peito aquela tábua
Não saberás mais o que é a mágoa
Não te moldarão mais como chumbo!

Lisboa, 19/09/99

II

Nas bocas do Mundo anda a notícia da Morte.
Parece haver aí um cavaleiro
Com uma foice dourada e um portentoso porte
Colhendo em vez do trigo
O próprio ceifeiro.

Nas bocas do Mundo anda o horror do jazigo.
Parece haver aí uma caverna
Com um bafo a azedo e um frio inimigo
Que sopra sobre a vida
E lhe apaga a lanterna.

Nas bocas do Mundo anda um agoiro de ferida.
Parece haver aí um precipício
Com um monstro hediondo de fome incontida
Comendo, (com garras tão peludas!)
Os mortais, em bulício!

Nas bocas do Mundo anda o tormento de Judas:
Parece haver aí a consciência
(Com espasmos, orações, súplicas e juras)
De um terrível erro
Sem remédio ou clemência...

Oh!, Talvez se redima a alma na fervura
– A fogueira padres!
Ah! Talvez se corrija pelo fogo a essência
– Ardes ou não ardes?
Uh! Talvez ainda me retrate o enterro!
– Mas há uns vermes alarves que me metem medo...
Há uns vermes alarves que me metem medo
Nem me servem grades...

Arre! Mando as bocas do Mundo p´r’ó degredo –
Que o pesadelo da conjectura acabe!

Lisboa, 12/01/02

[1] Nota do Crítico: Versão alternativa: Sentadas. Esta versão, originalmente rasurada pelo autor, foi depois reescrita a caneta vermelha. O manuscrito denuncia ainda uma mancha de chá. Provando-se que o autor tomava refeições em concomitância com a redacção dos seus poemas, muito pode ser explicado. O «Manifesto Anti-Panças», por exemplo, contrariando a originária interpretação de que seria uma paródia da paródia de Almada, vem, à luz deste facto, revelar que o autor sofria, severamente, do mal de indigestão. (Vide biografia).

No comments: