Tenho sentido[1]
A Solidão completa da minha poesia.
A minha alma abstracta, esmagada de agonia,
Tomba sem sentidos.[2]
O meu desgosto é sentido;[3]
Não o finjo. Apenas finjo a vida;
Mas como tudo me passa, à frente, de fugida,
Já não fico sentido.[4]
Faz lá isto sentido![5]
O quotidiano é chato, é uma porcaria!
E a necessidade diária de ir à tabacaria
Põe-me a ira em sentido...[6]
Este frenesim inquieto
Que me exige o tabaco é de morte!
Maldita propensão para o vício! Pouca sorte
Ser de coração inquieto!
Queria mais estar estendido,
Sem sombra de arrelias, numa praia límpida;
Mas a imagem dessa probabilidade, longe de ser nítida,
Impossibilita-se. Só o tédio é estendido:
(--------------------------------tédio------------------------------)
Mas do tédio não quero a companhia.
Nem quero relações de circunstância.
Que se danem este pasmo, esta agonia!,
Três poderosos «Vivas!» à jactância!
Que maçador ser poeta!
Juro hoje mesmo que de hora em diante
Não mais escreverei. Tornar-me-ei asceta.
Até estala esta ideia alucinante!
A minha solidão
É grande e profunda porque antes de mais é pensada.
Não é daquelas ausências que se sentem com a emoção:
É uma racionalização incontrolada.
Por este motivo,
O meu maior desejo é não pensar em nada;
Mas também na ausência há um motivo
De deliberação. A ilusão é, pois, justificada.
Pensar será, portanto,
Um exercício de não pensar em nada:
Um estar ausente de mim num qualquer canto
Onde toda a consciência é sufocada.
De facto, não quero fazer sentido –
Que sentido existe no existir?
O melhor, com tudo, é não reflectir,
E rir de tudo sem ficar sentido;
Partir à deriva, sem qualquer sentido[7]
Determinado, decidido antes –
Os cálculos da vida são p'r'ós ignorantes
Que passam, só, dormentes dos sentidos.
Sou vago, mas sentido;[8]
Sou um abstracto, sem recurso a matemáticas;
Mas as minhas loucuras, manifestações práticas,
Deixam-me sempre em sentido:
Estou acordado p'r'ó Mundo,
Mesmo se vivo no fundo
Do fundo abismo de mim:
Mesmo se não me sinto
Nesse sentir do concreto
Sinto que sint'outro corpo,
Do Outro que tenho perto:
O outro homem de luto
Que mora dentro de mim;
O outro ser com que luto
P'r'álém do Tempo e do Fim –
Sem ti do ar que respiro
O que respiro porém?
Contigo do ser que vivo
Sinto viver-me ninguém.
Mas isto não tem sentido,
É uma névoa em suspenso –
Que 'é então este alarido
Sobre o que sinto ou o que penso?
É a vida que está doente,
Sou eu num sonho que passa.
E um sonho inconsequente,
Qu' importa o senso que faça?…
Lisboa, 28/10/02
Sunday, June 3, 2007
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