Quando as Trevas Caíram sobre o Mundo…
I
(A Rua)
A Rua tinha a largura de um campo
E era abençoada pelo Sol;
Dela brotavam fontes e rios e nascentes e mares interiores
Onde todas os Homens viajavam sem a necessidade de barcos,
Ou o constrangimento do esforço.
Da Rua podia ver-se todo o Mundo
Mas ela mesma era o único local de onde podia ser vista.
Porque a Rua estava ao mesmo tempo no sopé de um monte
E coberta por árvores muito altas,
E muito largas,
E muito cheias
Que a isolavam da corrupção do Mundo;
E para além desse monte
Havia muitos rochedos
E muitos Abysmos descendentes,
Intermináveis
Devoradores,
Que não permitiam o acesso ao comum dos mortais.
A Rua era o lugar onde moravam todas as crianças
E todos os animais
E todos os Homens que não esqueceram o modo de segurar um balão
E que desprezam as obrigações.
A Rua era o lugar dos que procuravam o Amor,
Daquele tipo de amor em que o proveito está no poder dar,
Daquele tipo de amor
Em que o prazer está no fazer rir,
Daquele tipo de amor
Em que a carne, o espírito, o desejo, a necessidade, o conforto,
São intermináveis,
Daquele tipo de amor
Que cada um constrói apenas na sua imaginação
E que nega na prática.
A Rua era o Lugar Verdadeiro que descrevem todas as Bíblias e todas as Religiões
Como o Éden, o Idílio, a Paz, a Terra Prometida, a Utopia.
A Rua
Era um mundo interminável de escadas,
De níveis,
De degraus,
De consciências,
Cada nível revelando um sonho
Que se materializava, mal sonhado, na sua realização.
A Rua era a Luz Infindável e Universal,
Sempre viva,
Sempre em emergência.
A Rua era Real
No meu Coração...
II
(O Incêndio)
Um dia,
Os Homens sem amor que falharam a entrada neste lugar de Luz,
Invejosos do Bem que não sabiam alcançar
(Por não entenderem que era de dentro que lhes vinha aquela Felicidade),
Fizeram-se Monstros Invencíveis
Por força da sua Maldade
E treparam todos os Abysmos
E cortaram todas as árvores
E entraram na Rua:
Mataram todas as crianças,
Devoraram os animais,
Escravizaram os Homens Sem Obrigações,
Corromperam o Amor com o seu Ódio Interminável,
E cobriram a Luz com as suas Trevas.
O sangue sujou todas as fontes e inundou os rios.
O Sonho
Foi transformado num Pesadelo de Milénios.
E, ao Coração que tudo imaginara,
Pegaram sem remorso
Um inconsumível fogo...
A ferida desse Incêndio nunca sara;
A Paz de outrora é hoje um grande logro...
III
(A Prisão)
O Coração-Sonhador arde ainda
E para além da Eternidade ainda arderão as chamas.
A Rua
Não está já rodeada de árvores
Mas de muitas, incontornáveis grades.
Os animais extinguiram-se.
As crianças morreram numa maturidade artificial e forçada.
Os Homens tornaram-se escravos de si mesmos.
Os rios secaram.
As escadas partiram-se.
Os sonhos
São imagens nocturnas que assustam;
Os prazeres são momentâneos, artificiais, fingidos, simulados,
Para afastar, fazer esquecer a Dor.
As pessoas usam-se;
Os frutos apodrecem
Antes mesmo de caírem das árvores:
E as árvores,
Depois do princípio da Perdição Eterna
São apenas três:
A Desesperança,
A Solidão,
E a Permanência:
A primeira cansa;
A segunda causa a Exaustão;
A terceira leva-te à Demência.
A Noite é Eterna;
O Amor uma Promessa Adiada.
A Prisão é a Vida-em-Si-Mesma,
Prometendo Tudo onde já não há Nada...
Lisboa, 07/01/95
Saturday, June 2, 2007
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