Saturday, June 2, 2007

A Consciência de Nero

Eu sou Nero,
Imperador Supremo da Vergonha!
Dos Homens e do Mundo, Eu
Fui Rei.
Agora, só reino entre a peçonha!

O que regi pereceu.
Caí
Porque sonhei:
Mas o que é um Homem que não sonha?
Que ser da Terra não deseja um Céu?

Agora,
De mim, já nada espero
Senão o fim da dor (tão doentia!)
De suportar este suplício de anos…

(Vida fora)
Fui feito deus na hora
Mais sombria
P’ra descobrir que sou um mar de enganos!

O meu mal maior nem foi a culpa
Ou o teor da minha natureza:
A índole do Homem não avulta
Nem adoça a vileza
Que o Destino lhe dá:
Não era Eu,
Mas a Vida
Que era má!

Não tive nunca um espelho.
A verdade que me deram
Não era a que as coisas possuíam.
Os que me olharam não
Me conheceram…
Os que por mim passaram… não me viam!
E todos entre eles me temiam…

E nesta hora infame em que estou velho
(No pensamento em que me concebi,
Porque na alma, mais que no corpo, engelho
E nesta Terra de Midas me perdi),
Esqueço tudo o quanto me diziam
Os vis cortesãos que me cercavam:

Foi Séneca o Mestre da Mentira
E das palavras que me torturavam!
Foi Petrónio o árbitro dos vícios
Que a minha alma pura maculavam!

Como deus, que sou, jamais eu minto:
Quem vier depois de mim que infira
Estas minhas razões, estes princípios!

Matei uma mãe.
Mas a mão que a matou veio de cima!
Só eu sei (d)a dor qu ‘ind’hoje sinto!
Bem sabes que eu te amo, oh, Agripina!
Não sabes é do fel que trago em mim...

Chamam-me assassino, ignóbil, louco;
Quem sabe sou de tudo um pouco e mais…
Mas há também um génio neste corpo
Que como um rio transborda dos caudais!

Prendeu-me o negro Fado a este cargo
De ser, num mar de fracos, Sobre-Humano…
Mas porque sou maior larguei o fardo
E toda a minha essência agora emano:

Não foi Roma que eu ardi ao vento
Que soprava naquela noite escura –
Foi esta Humanidade, este Tormento,
Que moram nesta feia criatura...

Lisboa, 19/07/01

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