Saturday, June 2, 2007

Três Sonetos

I

(A Aparição)

Vieste como Chuva desejada
Cair sobre esta Terra ressequida
E abriste com os teus braços a Alvorada
E derrubaste a Treva Desmedida![1]

Vivi dormente todas as Estações,
Passei já quase morto pelos Dias,
Esperei[2] em ânsia a Benção[3] das Monções
Que prometia[4] vir mas não surgia!

Mas eis-te agora aqui, vinda do Nada,
Suportando a minha tez pesada,
Aguentando firme os meus furores!

Se o meu Amor pudesse tomar forma
Erguia um novo Éden e, por norma,
Mandava o Mundo aí morrer de Amores!

Lisboa, 07/09/01[5]

[1] Nota do Autor: Versão Alternativa: Rasgando a Treva que era em mim escondida.
[2] Nota do Autor: Versão Alternativa: Esperando.
[3] Nota do Autor: Versões Alternativas: a) Graça; b) Volta; c) Vinda.
[4] Nota do Autor: Versão Alternativa: Ameaçava,
[5]Nota do Autor: Dedicatória: (Para o Amor que, eu sei, ‘inda há-de vir…
Além de toda a dor há-de surgir,
Há-de abraçar-me e amar-me, sem fugir,
E há-de curar-me a cisma de existir!
E eu hei-de rir, hei-de rir, eu hei-de rir!)

II

(A Cómoda)

Há uma cómoda de madeira antiga
Disposta no meu quarto aos pés da cama;
É enorme, rija como um velho auriga,
Domando todo o espaço e que me chama.

Sobre ela se ufana um grande espelho
Que reflectiu poeiras seculares;
E este atrai-me a si como um centelho[1]
De fogo é atraído pelos ares.

Não tenho mão no corpo que me envolve
E deixo-me ir, apático, a seu gosto,
Até ficar sentado à sua frente;

Depois, vejo aterrado o que devolve:
Olho p’ra mim mas não vejo o meu rosto:
Sou sentimento num ser inexistente…

Lisboa, 07/09/01

[1] Nota do Linguista Especializado: É absolutamente lamentável o tratamento que este artista inferior faz da Linguagem. O desconhecimento do género feminino do substantivo centelha é de levar à náusea qualquer cidadão consciencioso. Haja algum agente autoritário da Santa Autoridade que penalize este homem! Pelo amor de Deus!!!
Carta Interceptada do Procurador Geral da República: «Caríssimo Linguista, depois de devidamente consultadas e auscultadas as autoridades competentes e com voto particular na matéria especifica tão diligente e cientificamente exposta, achou por bem, esta Procuradoria, com base nos artigos… de… (…), autuar o dito criminoso da nossa língua mãe com a soma de… até… de modo a… (…), acrescentando ainda prisão de… em… até… (…) Mais lhe agradecemos o seu esforço e o encarregamos da missão pátria de vigiar com atenção esse patife que assim despreza o dialecto de Camões – E abençoados estes génios que louvamos, mesmo se antes tivemos de os matar! (…) Muito grato e muito, muito seu, o seu Procur-a-dor…»


III

(A Chegada)

Ao fim da tarde, com o Sol a dar no porto,
Vem o Bliss, embarcação famosa,
Dar à costa no Cais; e eu, absorto,
Nem vejo os outros correndo em polvorosa.

Espero o Outro, o Perfeito, o Acabado,
O Homem que saiu de mim um dia,
P’ra descobrir no Mundo Inexplorado
A Infinitesimal Cosmogonia.

De cada canto do Cais acena um lenço
Celebrando em vivas a Chegada
Que demorara Séculos de Espera...

- «É o Novo Mundo!» - diz um - «Queimem incenso!»
- «É um Novo Dia!» - diz outro - «É a Alvorada!»
Mas tudo se fez pó… Era a Quimera…

Lisboa, 13/09/01

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