Saturday, June 9, 2007

Surrealismo por Correspondência

I

Georgette é a filha da vizinha
Do prédio em frente, no terceiro andar;
Por norma está no quarto ou na cozinha,
(Locais onde a mulher costuma estar);

É bonita; sempre penteada;
Não tem irmãos, nem cão, nem namorado;
Discute muitas vezes com a criada
Sobre a Política Interna do Guisado.

Fala muito; especialmente ao telefone.
(Talvez por ele busque um sobrenome…)
Gosta de gatos, planta girassóis.

É arrogante; tola, impertigada.
Costuma passear sempre alheada,
E pensar muito com os seus caracóis…

Lisboa, 25/05/97 – Lausanne, 03/09/04.

II

Georgette tem de permanentemente fazer permanente
Para poder continuar inteligente.

III

Mas eu amo Georgette.
E não me envergonho de amá-la.

Eu grito: Eu amo Georgette!
O meu grito: Eu amo Georgette!
Meu grito: Eu amo Georgette!
Magrito (como sou), amo Georgette.
Também ama Georgette?
Mas grite: Amo Georgette!
Magritte ama Georgette.
Georgette ama Magritte?
Georgette não ama Magritte.
Georgette não ama ninnguém.
Georgette não ama.
Ninguém ama ninguém.
Ninguém ama.
Nem mesmo Magritte amou.
Magritte pintou:

Le Mal du Pays.
Le Mal du Plat Pays.
Le Mal de la Belgique.
Le Mal:
La Belgique.

Magritte pintou o Inferno.

Que tem isso com amor?

Georgette…

IV

Georgette,
Georgette,
Georgette,

Três vezes o teu nome se repete
Pelas três ocasiões em que te vi.

Cansaço enorme de gostar de ti!

V

Omelete, Gay da Dinamarca,
Desenhou com sua espada a marca
Com que me defini.

Era um Z de Zorro e de Zapata.
O Z tocou-me.
O Gay gritou-lhe: – «Mata!». –
O aço rasgou-me a vil carcaça
E eu morri…

VI

Amar,
A mar,
A Marte.

Três zonas por que a mágoa se reparte…

VII

Estavas num terceiro andar a penteares-te;
Estavas num carreiro a andar, depois tombaste;
Estavas a dar, depois nunca mais daste;
Estavas-te a dar, mas logo t’acabaste.

VIII

– O que é tacabar?
– Do latim taco, tacas, tacare, tacaui, tacatum est;
Significa um pouco este delírio que alastra como a peste.

IX

– Como suportá-lo?
– Estar imóvel.
Ser como uma estaca.

Ser um móvel,
Ser objecto.
Ser estátua.

Admirem-me!
Venham ver-me!
Sou uma Obra de Arte!
Contemplem-me!
Contemplem-me!
Contemplem-me!

Olhem-me sempre:
Quero morrer com um enfarte de gente,
Quero morrer com um enfarte de gente,
Quero morrer com um enfarte de gente,
Quero morrer com um enfarte…

Se não doer,
Se não doer…

Se doer quero esquecer
Que já o tive ou senti.
Se doer prefiro ver
Que ele se dá em ti…

Tornei-me assim altruísta
Depois que te conheci…

X

D. Afonso V, O Africano,
Depois de pelejar por muitos anos,
(Como um leão),
Conquista:

Damasco,
Tangerina,
Bananos
E Feijão.

Depois foi plantar tudo
A uma herdade em Azeitão…

Sacrista!

XI

Onde enterrou ele o ouro da nação?

(Falo do miolo…)

XII

Não procuro que me gasto, mas aguardo uma visão…

(Fotografo a Solidão,
procuro a visão no rolo…)

XIII

A visão era Georgette:
Vinha com fato de artista.
Ela dançou, na revista,
E eu fiz de marionete…

Vida La Feria apresenta:
«P’ro que Jamais se Contenta,
Um Passatempo: O Regret».

XIV

Já o previa…
Tudo começou,
Era uma vez um dia…
Quando te vi, Georgette.

O mundo terminou…
E eu dormia!
C’est chouette!

XV

Estavas tu numa esplanada a beber um J.B.,
Eu estava numa barraca com a placa W.C.;
Pela porta da barraca, buraco da fechadura,
Pude ver, além das roupas, toda a tua formusura…


XVI

O fogo que me ateaste
(Foste tão cruel, Georgette!),
Queimou-me a pele quanto baste,
Fez do coração miettes…

Precisava de apagá-lo:
Mergulhei-me na retrete…

Melhor assim suportá-lo,
Melhor assim to forget…

XVII

O amor é uma merda.

XVIII

Eu vi-te Georgette,
A fazer de Gigante.
A fazeres-te de grande,
Com um coração pequeno.

Eu vi-te e vi em ti o medo:

Estavas a fazer d’ haste.
Estavas a fazer d’ haste.
Estavas a fazer d’ haste.

E eu a fazer de Rochedo…

XIX

Estamos todos.
Somos estagnação e lodo.

Somos paúl.
Devemos ser parados.

Pântano em si mesmo afundado,
Pântano em si mesmo afundado,
Pântano em si mesmo afundado…

XX

Sentir amor,
Estar cansado,
Sentir a dor,
Estar cansado…

– Aspira a dor!,
– Estou cansado,
– Inspira a dor,
– Estou cansado,
– Conspira a dor,
– Estou cansado,
– Respira a dor!,
– Estou cansado!

E tenho o pulmão parado,
E tenho o pulmão parado…

Tenho pena, tenho pena,
Mas não tenho melhor Fado…

XXI

Tenho pena, fico triste,
De saber que o amor existe
E de não saber usá-lo.
Mas depois de amar um pouco,
De sentir o que sentiste,
Surge-m’isto, como um sôco:
O amor em que consiste?
Em dormir. Dormi. Dormiste.
E depois despertei louco…

Melhor assim suportá-lo…


XXII

Mas Georgette,
Georgette,
Georgette,
Nome em que a mágoa se repete,

EU SOU ADAMASTOR,
EU SOU A DAMA ESTÔRE,
EU SOU A DANDYS’ STORE
EU…

E tu a dares-te uns ares de…
Se algum dia eu te amar terás de…

XXIII

Busco o resto de mim que se perdeu…
Amei.
Caí.

XXIV

Com’hei-d’amar se me desvaneci?

Joguei. Joguei. Joguei.
Joguei até me cansar.
Perdi.

XXV

Ser Livre!
Ser Doido!
Alucinar!

Delirare humanum est.

Errauit, erro, errabo.

XXVI

Enrabo quando posso,
Quando não, sou enrabado.

Ser Gay, ser Gay,
Tremendo fado!…

(Lamento da Monarquia)

XXVII

– Quando serei Gay?
– Já o és Duarte.
– E importante?
– Um dia.
Quando o português perder a sua parte
De reflexão sadia…

– Oh, Santa Isabel!,
Não fosses tu que seria!
– Aquilo que tu já és
Mas mais virgem que Maria…

XXVIII

Georgette,
Georgette,
Georgette,

Náusea, horror que se repete,
Tão negra foi a hora em que nasci!

XXIX

Náusea, horror que se repete…

XXX

TO BE
IS NOT
TO BE…

Lausanne, 03/09/04 – 09/09/04.

No comments: