Friday, June 15, 2007

Gabriel Cravo e Canela

I

Tão só estirado com os sonhos no Poente,
Tão só galgando esta ponte de medo,
Remando rumo ao Cabo,
Cruzando e enfrentando monstros mudos,
Com os olhos postos no Capitão do Fim...

Tão só na rota do ouro do Oriente,
Nesta São Gabriel dos Portugueses.
No mar acobardado,
Deus conduz pela própria mão estes marujos
Que buscam Fama e Glória em Bombaím...

II


No Oriente do Oriente do Oriente,
Eu busquei Fama e Glória, insanamente,
Amei sobre lençóis de bom cetim,
Fumei o ópio, a planta transcendente,
Comi desses manjares de mandarim,
Provei todo o prazer inconsequente,
Vesti um manto branco, à Serafim,
Planei a ombros sobre a pobre gente,
Impûs a minha Lei suja e ruim,
Ganhei, pilhei, matei, impunemente,
Ladrei, rosnei, ferrei como um mastim,
E um dia dei por mim, tragicamente,
A entender que não dava por mim...

III

Fui conquistar o Mar do Oriente,
Goa, Calcutá, Omã, Cochim,
E vi-me escravo um dia desse intento,
E naufraguei no mar que havia em mim...

IV

Eu Portugal (eu, Miguel!),
Eu fui em S. Gabriel,
Eu fui em S. Rafael,
Eu fui no Berrio além-mar.

Eu fui e vim sem me ver
Fui procurar e querer,
Fui encontrar e perder,
Fui quebrar ventos e ar.

E depois de ter partido,
E depois de ter voltado,
Dei por mim roto, exaurido,
Pobre, fraco, acobardado,

Dei por mim na Solidão,
Sem sentido e sem razão,
Sem ouro, barca ou padrão,
A chorar o meu Passado;

E vou boiando, abatido,
No paúl adormecido,
No charco mudo e esquecido
Do meu país estagnado...

Ontem fui Rei Sem Juízo,
Hoje sou Bôbo com Guizo,
Peito farto, bolso liso,
E c'o miolo parado...

«Tenho pena, tenho pena,
Mas não tenho melhor Fado!»[1]

Lisboa, 15/09/98

[1] Nota do Autor: Cf. «Surrealismo Por Correspondência».

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